“A esquerda pode e deve neste século XXI tornar-se a primeira força na Europa” Versão para impressão
Quinta, 14 Novembro 2013

alexistsiprasHoje, quando a crise resolve tudo, considero que não existe quadro capitalista neoliberal único no qual os nossos adversários tentem submeter aos mercados o direito social ou qualquer relação social de forma metódica e sistemática. Eles não têm plano estratégico mas sim um único objectivo: a salvação dos bancos.

 

Artigo de Alexis Tsipras, líder do SYRIZA.

 

Assistimos nos últimos tempos a um movimento inédito e entusiasta de solidariedade com o nosso combate contra as políticas ultra austeritárias na Grécia. As forças do Partido da Esquerda Europeia (PEE) e, em particular, a direcção e os militantes da Front de Gauche em França, uniram-se para ajudar o SYRIZA nesta batalha difícil, crucial e histórica que atingiu o seu auge no decurso dos dois escrutínios eleitorais de Maio e Junho de 2012.

À medida que a atenção e as esperanças se viraram para a Grécia e para o resultado histórico do SYRIZA, muitos camaradas continuavam a perguntar-nos como tínhamos conseguido atingir este resultado entusiasmante. Desejo trazer aqui algumas reflexões, não para propor um "modelo de sucesso" acabado, mas para estimular o diálogo sobre o presente e o futuro das forças que compõem o PEE e sobre as estratégias nacional e europeia.

No fundo, o SYRIZA sublinhou aquilo que nós já tínhamos tido em conta desde há anos.

Muito poucos se tinham até então verdadeiramente interessado pelo "fenómeno" SYRIZA. Todavia, em alguns meses, conseguimos marcar a história política contemporânea. Porquê? Na minha humilde opinião, foi porque nos consagrámos às lutas sociais, porque de forma constante seguimos uma orientação fundada na análise da realidade económica, política e social, mas também porque tivemos a coragem de ultrapassar as mentalidades e os conceitos estabelecidos, inclusive os nossos.

Nestas últimas décadas, a esquerda grega passou por provas extremamente difíceis e dolorosas. Uma esquerda grega que, desde a queda do muro de Berlim e do "socialismo real" tinha passado mais tempo a digladiar-se que a estabelecer convergências para contra atacar a ofensiva capitalista. Porém, desde o começo desta ofensiva sem precedente, envolvemo-nos nas lutas sociais, quer nas espontâneas quer nas organizadas.

A hegemonia não se ganha num domingo de eleições. Ela conquista-se na e através da luta social. Os resultados eleitorais na Grécia estão profundamente ligados às evoluções sociais. Se não conseguimos tornar-nos ideológica e politicamente hegemónicos nos espaços sociais, não seremos capazes de obter resultados positivos.

Desde a derrocada do "socialismo real", a esquerda foi historicamente classificada como uma força crítica do capitalismo. E bem, em minha opinião. Mas isso não basta. Duma força crítica, devemos igualmente tornar-nos uma força com uma perspectiva alternativa.

Ao longo destes dois anos, fizemos valer e pôr em evidência de maneira persistente na Grécia, uma proposta alternativa de caminho e de conjugação para a construção de uma transição política. Falámos de um "bloco do poder" composto por forças que existem no quadro mais largo da esquerda progressista e radical, "da esquerda da social-democracia à esquerda da esquerda", com o objectivo comum de destruir os ataques neoliberais. Logo que lançámos esta ideia, fomos tratados com desdém e desprezo, porque as sondagens de opinião mostravam que se tratava de uma opção marginal e utópica. Persistimos, apesar de tudo, porque esta era, para nós, a única alternativa. À medida que a ofensiva do capital se mostrava cada vez mais dura e desumana, aquilo que ontem parecia utópico e louco, tornou-se realista.

Pela primeira vez, desde 1974, não éramos nós que determinávamos a nossa estratégia em função das dos nossos adversários, as da social-democracia e da direita tradicional, mas eram eles que estabeleciam as deles em função da nossa. Por outras palavras, o elemento crucial que nos tornou capazes de representar as classes e os grupos sociais "politicamente órfãos" (aqueles cujos interesses sociais não são representados pelos dois "partidos do poder") foi o apoderarmo-nos de uma força de contestação para transformá-la numa força que trabalha para a mudança.

Antes de falar sobre a nossa estratégia, a estratégia nacional e europeia da esquerda para enfrentar a ofensiva capitalista e vencer a crise, algumas palavras sobre a estratégia dos nossos adversários.

Coloquemos a questão: os nossos adversários têm uma estratégia? Depois da 2ª Guerra Mundial, as forças capitalistas que desejavam manter as contradições na base dos modos de produção capitalistas, tinham um plano: a reconstrução da Europa, a regulamentação, a criação de estruturas de protecção social e de desenvolvimento, mas também a manutenção do antagonismo entre capital e trabalho. No curso dos anos 90, quando o neoliberalismo prevaleceu, também se podia identificar uma estratégia: a de entregar e submeter todas as estruturas políticas e instâncias de decisão ao poder dos mercados.

Hoje, quando a crise resolve tudo, considero que não existe quadro capitalista neoliberal único no qual os nossos adversários tentem submeter aos mercados o direito social ou qualquer relação social de forma metódica e sistemática. Eles não têm plano estratégico mas sim um único objectivo: a salvação dos bancos.

Vê-se bem que os centros de decisão ultrapassam os quadros nacionais e regionais. E não sei se podemos falar duma estratégia capitalista comum que seria definida pela senhora Merkel ou pelo presidente dos Estados Unidos, quando existem agências de notação e instituições financeiras – aquilo a que chamamos o capitalismo financeiro – que tomam as decisões e têm mais poderes que as nações. Há um ano, por exemplo, uma delas desvalorizou a nota dos Estados Unidos. Tratou-se de mostrar quem manda hoje. Neste sentido, poderíamos dizer que o capitalismo financeiro mundial tem uma estratégia. Mas para quem é dos Estados ou das entidades regionais, como a União Europeia (UE), parece que os nossos adversários não têm uma estratégia clara, mas que são movidos apenas pelo pânico.

À medida que a crise se agrava, a UE é levada a dissolver-se na mesma proporção e confronta-nos com este oximoro: somos nós, a esquerda europeia, a força que faz a crítica estrutural dos tratados europeus, da UE, do tratado de Maastricht e da arquitectura da União monetária; somos nós a força que procura manter a Europa viva, enquanto os nossos adversários fazem o melhor possível para a dissolver!

O principal argumento contra o SYRIZA, quer no interior quer no exterior do país, sobretudo durante a segunda campanha eleitoral, era que, se tomássemos o poder, isso conduziria a Grécia para fora da zona euro e, eventualmente, iria mesmo destruir a zona euro. Na verdade, se havia uma esperança para a Grécia, mas também para a zona euro e para a Europa, era que fosse o SYRIZA a trazê-la. Era a única esperança de provocar um choque criativo salutar na Europa não apenas para os Gregos mas para todos os povos europeus. Pois se fôssemos a uma cimeira da UE seria para recusar a austeridade e levar a cimeira a decidir por uma estratégia alternativa de saída da crise em vez de perseverar no impasse actual.

A capacidade do SYRIZA de ir contra o problema real da Europa foi bloqueada por ofensivas inéditas. Quando Slavoj Zizek (2) veio apoiar-nos, usou uma bela imagem ao comparar-nos a Tom e Jerry. Para ele, o SYRIZA é o rato que irrita constantemente o gato que anda pelos ares até que o rato aparece: este indica-lhe que não há chão debaixo dos seus pés e então o gato cai a pique. Eis no que se tornou a Europa. Ela anda pelos ares; as forças dominantes recusam reconhecer que as suas medidas a conduzem à ruína. Nós seríamos assim o rato que revela ao gato selvagem do capitalismo europeu que as suas políticas são ineficazes.

Mas então, se os nossos adversários não têm estratégia, como podemos batê-los? Seguindo-os? Não. Copiando-os? Também não. A esquerda europeia não se deve limitar à crítica legítima, mas conceber uma estratégia alternativa e um plano e determinar a agenda (a ordem do dia).

Não se trata de regressar a 2007, antes do estalar da crise do crédito imobiliário nos Estados Unidos, pois esse modelo de produção e de consumo conduz à crise. Nós devemos ultrapassar esse modelo e oferecer uma visão, trazer uma sociedade que responda às necessidades sociais, discutir o socialismo sem medo nem culpa por tudo o que se passou nos ditos "verdadeiros regimes socialistas" que nada têm de comum connosco. Devemos falar em nome de um socialismo do século XXI, um socialismo contemporâneo de reconstrução dos modos de produção, de redistribuição social das riquezas no plano nacional e supranacional.

Vivemos uma época de guerra assimétrica. Esta guerra não é só dirigida contra os povos da Europa do Sul. Estes últimos não são senão as cobaias de uma crise internacional e europeia numa experiência que produz um modelo político europeu com objectivos universais. A crise vai atingir o coração da Europa e devemos tomar consciência, a partir da experiência grega, que o conflito vai ser muito difícil.

Devemos ser reactivos e eficazes na resposta à extensão dos prejuízos que os nossos adversários tentam criar, a fim de estimular a destruição social. O populismo tornou-se o melhor aliado do neoliberalismo. Não há maior mentira do que o preconceito dos "povos preguiçosos do Sul" que "viveram acima dos seus meios". Devemos desmontar esta mentira e difundir a mensagem: estamos todos debaixo de mira.

O exemplo grego mostra que é mesmo preciso esquecer o quadro legal burguês tal como o conhecemos. Os poderes legislativo, executivo e judiciário estão às ordens da mediocracia moderna, desses homens de negócios adulados pelo Estado em nome do "são espírito de empresa" que beneficiaram de fundos públicos durante todos estes anos, caso contrário, transferiam as suas empresas e fortunas para o estrangeiro. Um exemplo em pequena escala do que prevalece de forma idêntica em toda a Europa.

É por isso que é preciso que desde já promovamos uma estratégia alternativa que tenha em conta a insuficiência das formas e das ferramentas clássicas. A grave crise de representação significa que os movimentos sociais devem ser a nossa prioridade, não para os manipular, mas porque são elementos essenciais da nossa política que, em certos casos, pode ser dirigida por eles.

Enfim, sem acção coordenada no plano europeu, não poderemos ir em frente. O nosso sucesso na Grécia revelaria ser um fogacho se nos tempos mais próximos não se multiplicassem exemplos e experiências semelhantes através da Europa. Temos necessidade de grandes conquistas sociais e também de vitórias eleitorais na Holanda, em Espanha, na Itália, em França, na Alemanha... em todo o continente. Se não o conseguirmos, nós os Gregos passaremos a ser uma "aldeia gaulesa" isolada.

Temos necessidade de coordenação, de comunicação e de objectivos comuns e estou convencido de que no futuro poderemos dar vida ao slogan "SYRIZA por todo o lado", não como um modelo ou uma receita ideal para "copiar-colar", mas como uma experiência de cooperação plural, de união de diversas culturas políticas progressistas e de convergência em toda a Europa.

A esquerda pode e deve neste século XXI tornar-se a primeira força na Europa.

 

Prefácio de Alexis Tsipras ao livro "Maintenant Prenez le Pouvoir" de Pierre Laurent, secretário-geral do Partido Comunista Francês e Presidente do Partido da Esquerda Europeia

 

 


 

(1) Alexis Tsipras, deputado grego, é presidente SYRIZA e líder do seu grupo parlamentar.

(2) Slavoj Zizek é um filósofo e psicanalista esloveno

Tradução: Redação d'A Comuna

 

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