Lições brasileiras para processos europeus ou vice-versa Versão para impressão
Terça, 29 Dezembro 2015

1. PROCESSOS EUROPEUS: Se quisermos simplificar muito a política europeia, abstraindo da complexidade das suas dezenas de nacionalidades: temos uma França como exemplo não único, nem mais grave, mas assombroso do forte ressurgimento da extrema-direita nas proximidades do poder, e uma Alemanha onde União Democrata Cristã/CSU governa coligada com o Partido Social-democrata Alemão (SPD), enquanto a principal força da oposição, A Esquerda, teve 8,6% nas eleições federais de 2013.

Pares sistémicos como Nova Democracia/PASOK na Grécia, Partido Popular/PSOE no Estado Espanhol e PSD-CDS/PS em Portugal são as versões particulares da alternância entre o Partido Popular Europeu (neoliberais nos anos 1990, hoje cada vez mais conservadores) e o Partido Socialista Europeu (social-liberal, onde será raro encontrar qualquer vestígio ou relíquia da social-democracia do pós-segunda guerra).

Na Grécia, o pacto do PASOK com a direita ND (em nome de um suposto "europeísmo" que mascara a austeridade e o domínio da finança) levou à sua substituição enquanto segunda força. A Esquerda Radical (SIRIZA) fez o confronto direto com a direita e chegou à liderança do governo no início de 2015. A história da posterior capitulação de Tsipras, ao aceitar a austeridade do terceiro resgate, é uma história por fazer e por concluir. Esperemos que não tenha um desfecho à italiana, que fez migrar um grande partido de esquerda (o PCI) de recuo em recuo até ao centrismo hoje chamado Partido Democrático.

Em Portugal, o PS não quis cometer os erros do PASOK. Costa não é menos liberal que outros líderes dos PS's europeus. O facto da perda de maioria absoluta por parte da direita (38,57%, 89 mandatos PSD + 18 CDS) não ter sido capitalizada pelo PS (32,31%, 86), mas pelos partidos à sua esquerda (Bloco: 10,19%, 19; CDU: 8,25%, 15 PCP + 2 PEV) foi um aviso que Costa não podia deixar de ouvir. Depois do fenómeno inaugurado na Grécia, a que já se chama "pasokisação", os sociais-liberais europeus tremem primeiro, tornam-se astutos depois.

O crescimento do Bloco de Esquerda e da CDU (PCP-PEV) foram portanto fundamentais para: a) tirar a direita do Governo português, e b) para que o PS não governasse com o seu programa liberal. Ao possibilitar um governo minoritário do PS, colocou-se um travão ao crescimento da austeridade e iniciou-se um ciclo de recuperação de rendimentos e de avanço de políticas para a igualdade e a liberdade.

A esquerda não é governo mas faz parte da maioria parlamentar, o que tem vantagens e custos. Essa situação corresponde, de facto, aos interesses populares imediatos, mas não se pode perder o futuro do movimento. Cair no possibilismo seria um erro. Ser travão à luta social seria suicida. O bloqueio europeu a políticas alternativas espreita, as forças alternativas demoram, e Costa e o PS não mudaram a sua natureza.

Entretanto no Estado Espanhol, o PP ficou em primeiro nas eleições gerais, mas também minoritário (28,71%, 123 dos 350 mandatos; mesmo juntando os 40 mandatos, 13,93%, dos Ciudadanos, também da direita espanholista, isso é ainda insuficiente). Simultaneamente, os sociais-liberais espanhóis (PSOE) continuam a ter um peso parlamentar e social forte, sendo a segunda força, com 22,01% e 90 mandatos.

A terceira força nas gerais espanholas foi o Podemos. É no entanto de sublinhar que esse lugar só é mais firme graças a uma articulação flexível com as causas das nações periféricas, digo isto pois os votos que teve sozinho dão-lhe 12,66%, mas chega mais além com outras plataformas: 42 mandatos das listas Podemos + 12 En Comú Podem (Catalunha) + 9 Compromís-Podemos-És El Moment (comunidade Valenciana) + 6 En Marea (Galiza) = 69 mandatos, 20,66% dos votos.

A Unidad Popular (animada principalmente pela Izquierda Unida) elegeu apenas na Comunidade de Madrid, 2, e teve apenas 3,67%, um recuo grande mas que não contabiliza as plataformas onde participou junto com o Podemos. Entre as forças nacionalistas de esquerda que não foram nas convergências com Podemos, temos: NOS – Candidatura Galega (impulsionada pelo BNG) que teve 4,32% ao nível da Galiza, mas não elegeu; e  Euskal Herria Bildu, elegeu 2 representantes, e teve 15,07% ao nível do País Basco.

2. LIÇÕES BRASILEIRAS: O Partido dos Trabalhadores, fundado em 1980 a partir do movimento operário brasileiro, elegeu pela primeira vez um presidente da república em 2003, derrotando o neoliberal Fernando Henrique Cardoso. Os governos do ex-sindicalista metalúrgico Lula da Silva (2003-2011) e da sua sucessora Dilma Rousseff (eleita em 2011, reeleita em 2014) iniciaram um novo momento político no Brasil, um tempo de muitas contradições.

A via lulista está hoje em crise. Os artigos do cientista político Rudá Ricci e do jovem professor de história Luca Palmesi sobre a luta social e a crise política no Brasil são contributos inestimáveis não só para a compreensão do momento histórico particular que atravessa esse gigante latino-americano mas também para uma aprendizagem (mútua) das dificuldades da estruturação de um novo campo político que seja alternativo quer ao avanço conservador, quer à moderação/capitulação de grandes partidos que nalgum momento representaram a esperança do movimento dos trabalhadores. Novas maiorias sociais são necessárias. Estes artigos ajudam-nos a iluminar algumas sombras que nos confundem o caminho.

Bruno Góis

 

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