A Praxe e a Religião Versão para impressão
Quinta, 14 Novembro 2013

praxealamedalxEm todos os cantos onde a praxe é praticada, ecoa nos corações dos estudantes a máxima sartriana: "É fácil obedecer, quando se tem o sonho de comandar."

 

Artigo de Tiago Ramalho

 

Em todos os cantos onde a praxe é praticada, ecoa nos corações dos estudantes a máxima sartriana: "É fácil obedecer, quando se tem o sonho de comandar." Submeto-me, para submeter posteriormente; subordino-me, para subordinar futuramente; assim, se cria um laço comunitário: a prazerosa humilhação, possibilitar-me-á o acesso à hierarquia triunfante: um dia, alcançarei os píncaros da hierarquia "académica" ou pelo menos, saberei que o poder da superioridade estará ao meu alcance. Interessante dialéctica!

Obediência cega – A praxis da humilhação do ser visa a cristalização do desígnio teleológico: a integração. Mas a que se deve tremenda obediência? Os arautos da Praxe, autênticos Padres condutores de rebanhos dóceis e obedientes, apresentam-nos vários argumentos "potencialmente" justificadores de tal prática: 1. "A tradição deve ser respeitada!" Acrescento eu que, caso esta seja menosprezada, Deus castigar-nos-á como incumpridores, ou seja, esta ideia de tradição assenta num pressuposto estático, inquebrável. Pobres almas aquelas que sofreram por se terem erguido contra o ideal de tradição! 2. "A Praxe Académica visa a integração." Humilhação, desrespeito, práticas hediondas, tudo isso, deve pertencer ao Dicionário de Sinónimos dos Praxistas, sob forma de homogeneizar as massas. Todo o regime totalitário visa a integração, aliás, ninguém deve ficar de fora! Para isso, o píncaro dos píncaros passaria pela entrada no Partido Único, visando a celebração de vantagens integracionistas, lá está...Como tal, há que ter atenção aos dissidentes ou refratários, uma ameaça ao sistema de integração académica. Assim, a integração (meio), sustenta o ideal integracionista (fim). Mas toda esta materialização, não pode deixar de ser trespassada pelo apartheid dos Senhores e dos Escravos, em que tanto a alienação está presente no Opressor como no Oprimido.

A Sacralização do Evento – Até aqui, não se falou mais do que acções envoltas em contornos religiosos. Basta-nos remeter ao conceito de Religião na época latina "estar preso a", ou mais tarde, com a época medieval, em que a Religião se apresenta como uma prática de religar aquilo que outrora esteve separado. O serviço prestado a um bem supremo, a integração precedida de tradição, é o valor supremo que todos devem respeitar. Aí daqueles que ousem desrespeitar a hierarquia da Santíssima Trindade! Particularizaremos a questão: a Academia é o espaço que Deus concedeu para a plena realização dos seus fiéis seguidores, embora as facções tendam de imediato a surgir e com isto, a mais voraz sacralização, o mais inacreditável amor. Meu Curso, Bendito sejas tu, prometo aqui, junto a ti, e aos teus fiéis depositários (Praxistas=Padres), defender-te dos mais infamáveis impropérios, retorquindo sempre que necessário, até que saías vitorioso desta guerra civil. O curso granjeou um patamar de destaque que nem ele pensava alcançar. Amarás o curso e a tua canonização na Academia estará para breve! O Almanaque do miserabilismo académico nunca mais se esquecerá destes feitos! Júlio Henriques, no seu ensaio "Da miséria no Meio Estudantil", já proclamava "e até, benza-os Deus, indo à missa  (solene, para a «benzedura das pastas»), e ósdespois a outras missas, campais e frenéticas, crentes extasiados ante as sonoras vedetas que ali vêm de encomenda − as quais, com a sua estridência electrónica, têm a sublime tarefa de entoar hinos promissores ao futuro da nova geração."

Praxe e Sociedade "Real" – Quererá a praxe firmar-se como uma representação fiel da sociedade "selecionadora" com que nos deparamos? Só os mais "aptos" sobreviverão a uma concorrência feroz, em que a pressão é-nos instalada sobre os ombros constantemente e a avaliação, consubstanciada no preceito da meritocracia, predizem os indicadores que permitirão ao individuo sobreviver neste mecanismo canibalesco. Dizem-nos, os Padres da Praxe, que se agora (na Praxe), aprenderes os valores da subserviência ou obediência, tornar-se-á mias fácil a entrada no covil do Mercado, ou seja, enfrentado os lobos da Praxe, aprenderás a ser um deles e isso, é um bom ingrediente para cresceres na vida. Digamos que estás a realizar um primeiro estágio daquilo que será o resto da tua vivência (neste caso, sobrevivência). Realmente, o que são os abusos do patronato comparados com os sacrifícios da Praxe? Sem poder de deixar de citar novamente Júlio Henriques: "A documentação psicológica assim obtida terá sem dúvida sido útil a um patronato que estava justamente, também ele, a querer modernizar-se, com vista à obtenção de uma mão-de-obra dócil, mal paga e adaptável às curvas sinuosas do «crescimento económico». De facto, se tantos jovens modernizados eram capazes de baixar a espinha a torturas, embora neoparvas, impostas por colegas mais velhos, isso era um sinal, bastante positivo, de que seriam moldáveis a um outro tipo de cangas, mais elaboradas e já decorrentes da ciência económica, estabelecidas como coisas banais e imperativas: estágios laborais sem receber um chavo e de sorriso nas ventas, baixos salários, recibos verdes, precariedade, flexibilidade, adaptabilidade, e o mais que à dita ciência convenha em prol da sacrossanta «produtividade»."

Fica bem assente que a Praxe, acarretando valores como o sacrifício, o temor a Deus (Praxistas), o respeito da doutrina evangélica (código de praxe), e o expor-se às ordens religiosas (Cursos), surge indissociável de um dever que resvalará para a opressão mercantilista. Enfim, (a Praxe), mais um tentáculo do monstro opressor que nos persegue!

 

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