Socialismo ou barbárie Versão para impressão
Terça, 12 Novembro 2013

lutaOs deputados ocuparam os seus lugares agitando bandeiras vermelhas, auto-proclamando-se socialistas, para escândalo dos conservadores que ameaçavam com previsões de grandes catástrofes qualquer intervenção do Estado na economia. Mas a população não deu ouvidos a essas ameaças, saiu às ruas em massa, votou pela mudança.

Artigo de María Pazos

 

Desde que vi o filme "The Spirit of 45", não passa um dia sem que me recorde dele várias vezes, o recomende ou pense em escrever sobre ele. Neste documentário, Ken Loach retrata e compara dois momentos históricos.

O primeiro desses momentos tem lugar no Reino Unido, em 1945, quando surgiram as circunstâncias sociais e a liderança política que possibilitaram uma viragem na política social e económica. O guião parecia estar escrito, Churchill, que todos consideravam o libertador da Europa contra o nazismo, ganharia as eleições. No entanto, contra todas as probabilidades, o povo "desviou" o olhar para um partido que conseguiu emtusiasma-la com um programa de reformas radicais a favor da maioria da população e, claro, contra os grandes capitalistas, os proprietários das minas, das ferrovias, da banca e definitivamente do país.

Partindo de uma situação de extrema pobreza, em poucos anos, o país mudou substancialmente. O que é que conseguiu entusiasmar as pessoas? Em primeiro lugar, o Sistema Nacional de Saúde, seguido da possibilidade de trabalho estável e com direitos, um programa de habitação social ou a educação pública. Também o Relatório Beveridge (1942), que propunha proteção social para toda a população. Durante esses cinco anos lançaram-se as bases do chamado Estado de Bem-estar.

Entusiasmou também a nacionalização do Banco da Inglaterra, dos setores de energia, transporte e mineração. Os deputados ocuparam os seus lugares agitando bandeiras vermelhas, auto-proclamando-se socialistas, para escândalo dos conservadores que ameaçavam com previsões de grandes catástrofes qualquer intervenção do Estado na economia. Mas a população não deu ouvidos a essas ameaças, saiu às ruas em massa, votou pela mudança e continuou a votar maioritariamente nas eleições de 1950, apesar de todos os problemas que sem dúvida surgiram.

Em 1951 o Partido Conservador ganhou as eleições (embora com menos votos do que o Partido Trabalhista) e Churchill voltou ao governo. Mas a onda expansiva de 45 continuou, e toda a Europa beneficiou desse espírito, dessa correlação de forças que permitiu a expansão dos sistemas universais de protecção social e serviços públicos. Um espírito que progredia simultaneamente em muitos outros países e que tornou possíveis que outros fenómenos tão notáveis como este ou mesmo mais, particularmente nos países nórdicos.

Levou muitos anos a mudar a correlação de forças em favor dos interesses da burguesia. O filme de Ken Loach salta repentinamente para o triunfo de Margaret Thatcher em 1979, com tudas as contra-reformas que se seguiram, tão vertiginosas quanto tinham sido as reformas. E é nessa onda de neoliberalismo triunfante nos movemos agora.

Ken Loach convida-nos a refletir sobre todos estes fenómenos. Pede-nos que expliquemos à juventude noções que já não são ensinadas nas faculdades de economia. Noções tão básicas como a de monopólio natural, ou seja, porque motivo a energia, a água ou os transportes públicos devem ser propriedade pública. Pede-nos que expliquemos aos jovens como é viver sem serviços públicos. Diz-nos que aprendamos com a história, fornecendo mais um argumento contra a propaganda neoliberal que nos tenta convencer de que o Estado de Bem-estar não pode avançar em tempos de vacas magras.

O filme não parece ter tido grande repercussão em Espanha, nem críticas muito entusiásticas, ainda que eu tenha visto o público aplaudir no final da sessão. É natural a reação adversa daqueles que são a favor dos ventos neoliberais, que logicamente acham Ken Loach revolucionário e "demasiado simples"; mas o debate entre as pessoas que hoje em dia trabalham na resistência aos cortes sociais é outra questão.

Algumas pessoas, que se situam à esquerda dos partidos actualmente chamados de social-democratas ou trabalhistas, não querem nem ouvir falar daquele partido que em 1945 tinha o mesmo nome. E como não querem ouvir (ou, neste caso, ver), não admitem provas do diferentes que são estes partidos, do quão diluídas, ou melhor, atraiçoadas, estão aquelas ideias iniciais. Não se apercebem de tudo o que está em jogo.

Porque não é uma questão de nomes ou de famílias políticas, nem de como denominamos ou imaginamos a sociedade a que cada um quer chegar a longo prazo. A questão é que não nos roubem os princípios da solidariedade e da dignidade humana, que deram origem aos maiores avanços na história, e agora estão a ser postos em causa. O princípio "de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades", isso é o que está em jogo, é isso que devemos defender para lá das etiquetas. Não há outra alternativa: socialismo ou barbárie; e esse dilema decide-se hoje.

 

María Pazos é autora do livro "Desiguales por Ley"

Tradução de Adriana Rosa Delgado para Comuna.net


Artigo publicado originalmente em Otras miradas

 

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