Náufragos Versão para impressão
Terça, 26 Março 2013

NOBancos fechados para evitar a corrida aos levantamentos; limites muito baixos no dinheiro a poder levantar em caixas multibanco; dinheiro cativo nas contas à ordem; impossibilidade de mexer nas poupanças por via dessa cativação; criação de um imposto sobre os depósitos bancários; as lojas e os restaurantes recusam o pagamento por multibanco... Sim, tudo isto é num país da União Europeia no séc. XXI. Numa Europa que tem sido assaltada por fanáticos que experimentam um novo modelo de acumulação e um novo regime que mistura austeridade com autoritarismo.

Chipre é o novo alvo da chantagem e do saque e parece claro que quanto mais pequeno o país, quanto menos representa na economia da UE, maior é o autoritarismo. O que mostra bem quais são os princípios que norteiam esta união...

Se persistisse – ou pelo menos, existisse – o espírito de união e de solidariedade entre os países assistiríamos a outra situação em que seria fácil desenhar respostas de apoio solidário para economias pequenas como a do Chipre, que representa 0,2% da UE. Mas não, aquilo que se vê é um ataque feroz à periferia, sem complacência para com os povos e com o claro objetivo de impor um regime social de empobrecimento e garantir negócio especulativo à banca do centro da Europa.

A união já não é união mas apenas a soma de muitos que cada vez mais convivem em regime de competitividade e não em solidariedade. Se fosse mesmo união, então estariam ativos os mecanismos que impediriam a especulação da banca sobre os países, a exploração de uns países sobre os outros. A mutualização da dívida seria uma realidade e acabar-se-ia com a proibição estúpida que impede o BCE de emprestar diretamente aos países.

A união não é dos povos nem para os povos. Se fosse, não estaria em curso uma operação para substituir o Estado Social pelo Estado Austero, nem teria vindo a lume o Tratado Orçamental que impõe a diminuição acentuada das funções do Estado. Uma união dos povos nunca aceitaria tal coisa. Muito menos participaria em troikas que têm aumentado a pobreza e o desemprego.

Não querem estas constatações dizer que deveríamos sair da UE, bater a porta à Zona Euro e trabalharmos o nosso quintal, emparedados e isolados do resto do mundo. Isso não existe e, se o tentássemos, veríamos que continuaria a austeridade, a pressão para o empobrecimento e a especulação sobre o país, ao mesmo tempo que situação social e económica se agravaria perante uma previsível desvalorização da moeda.

As constatações feitas atrás mostram apenas a necessidade de fazer emergir na Europa um projeto alternativo que reposicione as relações de horizontalidade e de solidariedade e que tenha a função social no centro das ações da União. Essa é a força que pode vir de uma união, tudo o resto é mera soma das partes. Por isso, o repúdio pelas ações que estão a ser tomadas contra Portugal, Grécia, Chipre e Irlanda, mais a Espanha na berlinda...

O fanatismo não é bom conselheiro e o fanatismo de direita que tem norteado os últimos anos na Europa parece levar a um fim cada vez mais claro: desagregação da união, competição entre os países onde os maiores são predadores dos mais pequenos, política para a banca em vez de política para as pessoas.

De vez em quando, acordando momentaneamente do fanatismo, dizem-nos os fanáticos: 'As medidas de austeridade estão a gerar mais desemprego do que supúnhamos ao início'. Mas logo recaem no seu fanatismo: 'É necessário reduzir 40 000 funcionários públicos. Mas não vejam isso como ameaça, mas sim uma oportunidade'.

É cada vez mais evidente a urgência de uma mudança radical e que deve assolar a Europa, caso contrário o capitão do barco tornar-nos-á a todos náufragos, mas cego de fanatismo continuará a gritar 'Estamos no rumo certo. Em 2017 chegaremos a terra firme! Ou em 2020, ou 2030. O que é certo é que chegaremos... Um dia, quem sabe?'...

Parece cada vez mais óbvio que as transformações e a luta é cada vez mais transnacional, uma vez que o capitalismo estabelece também o seu quartel nas instituições supra-nacionais. Logo, a luta proletária deve responder na mesma amplitude internacional, caso contrário, incorre apenas em guerra de trincheiras.

Parece também tornar-se óbvio que nesta luta se perfilam três propostas fundamentais:

A de direita, ancorada na austeridade, no autoritarismo e nos laivos antidemocráticos (governos não-eleitos, chantagem internacional sobre eleições nacionais, imposição de programas e medidas políticas ao arrepio daquilo que foram as propostas sufragadas popularmente, etc) e que tem como objetivos o empobrecimento, a asiatização da periferia europeia, a especulação de engorda do setor financeiro e a redução das funções do Estado a um mínimo smithiano.

A de centro, onde cabem a generalidade dos PS's, e que se caracteriza por um angustiante meio termo. Angustiante pela falta de coragem e de proposta evidente. Juram, por isso, fidelidade às mesmas instituições supra-nacionais e que têm imposto os tais laivos antidemocráticos. Prometem cumprir com as imposições do FMI, são a favor do tratado orçamental e o tratado de Lisboa, fundador da especulação promovida pela incapacidade do BCE emprestar diretamente aos Estados. Diferenciam-se da direita pela quantidade da resposta e não pela qualidade. Defendem mais o conta-gotas e menos a torneira aberta, mas o líquido é o mesmo.

A de esquerda, que tem vindo a recuperar fôlego e a acumular força (e, não fossem métodos eleitorais pouco democráticos, como o francês ou o grego, e o seu poder representativo seria muito maior). Esta é a resposta que quer a transformação da Europa, a formulação de uma nova Constituição que imponha a solidariedade e o aspeto social no centro da política da união. Contra a especulação, a usura e a predação de uns países por outros, impõe-se a Europa da paz, do progresso, da qualidade de vida e do crescimento.

É uma proposta que vale a pena e que tem que fazer o seu caminho autonomamente, hostil ao fanatismo do caminho da direita e indiferente aos que querem seguir a sua linha centrista. Por isso se chama alternativa, por ser outra coisa para além dos do costume. Por isso se exige que seja mais firme e sólida. Barcos à deriva já há de sobra...

Moisés Ferreira

 

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