União, de facto. Versão para impressão
Terça, 05 Fevereiro 2013

expresso copyHistoricamente, a sua fundação transparece a linha editorial que o norteia. O diretor Francisco Pinto Balsemão tinha como subdiretor Marcelo Rebelo de Sousa, ambos deputados pelo PPD (Partido Popular Democrático) ao qual o jornal Expresso serviu de sede.

Artigo de Ricardo Martins

 

I. Perfil do semanário Expresso

O jornal Expresso é um jornal de referência em formato berliner, o que o torna maior que o tabloide mas não tão amplo como o broadsheet. Esta categoria, de referência, reserva-se às publicações dedicadas aos grandes temas como a política, a cultura e a economia. Caracteriza-se pela postura de cumprimento pelas regras deontológicas e sentido ético da sua redação. A linguagem é cuidada e a semantização discursiva pauta-se pela objetividade. O Expresso tem uma preocupação em fazer acompanhar os artigos noticiosos com artigos de opinião de forma a fazer o seu acompanhamento comentado. Esta estratégia altera um pouco a lógica de que o jornalismo nos diz em que pensar e não como pensar. Esta posição é, de resto, assumida pelo jornal que tem como slogan publicitário «Expresso, um jornal que faz opinião».

Historicamente, a sua fundação transparece a linha editorial que o norteia. O diretor Francisco Pinto Balsemão tinha como subdiretor Marcelo Rebelo de Sousa, ambos deputados pelo PPD (Partido Popular Democrático) ao qual o jornal Expresso serviu de sede. Desta forma, e com o panorama mediático nacionalizado ou sobre forte influência governamental ou estadual, a tendência jornalística convergia no sentido da via socializante ao passo que o Expresso rompia com essa tendência e se transformou na mais influente voz do centro-direita em Portugal.

Neste sentido, as opções editoriais do Expresso eram bem esplanadas na forma como a adjetivação era utilizada nos textos informativos e depois como estes eram acompanhados de forma comentada. Esta preocupação pela interpretação comentada da atualidade, uso de adjetivação e critérios de noticiabilidade faziam transparecer o posicionamento ideológico do jornal dentro do paradigma da direita conservadora democrática. Assim, não se estranha a forma como o Expresso se preocupou, no Verão Quente em comentar e enquadrar negativamente as medidas dos Governos Provisórios de Vasco Gonçalves ou os posicionamentos políticos e ideológicos do PCP (Partido Comunista Português) sob a figura do líder histórico Álvaro Cunhal, várias vezes atacado pela redação do jornal. Nesta lógica, é sem surpresa que o Expresso publica na íntegra o Documento dos Nove, também conhecido como Documento Melo Antunes, que vincula a fação triunfante dos acontecimentos do 25 de novembro. Já o mesmo tratamento não foi dado ao Documento do COPCON, corrente derrotada, transparecendo inequivocamente o posicionamento ideológico e linha editorial do Expresso.

O Expresso, editado pela Sojornal, é propriedade do grupo Impresa, o maior grupo português na área da comunicação social. O presidente e acionista maioritário do grupo é Francisco Pinto Balsemão, fundador do PPD e Primeiro Ministro após a morte de Sá Carneiro. Criou a holding Controljornal, a qual agrupa as participações media do grupo como a Sic, que disputa a liderança de audiências televisivas e a Sic Notícias, líder no cabo. A propriedade financeira e jurídica que exerce sobre os seus órgãos é um dos principais garantes da linha editorial e ideológica de todo o grupo.

II. Semiotização e interpretação da fotografia da página 12 do jornal Expresso de 13 de outubro de 2012 com breve contextualização histórica.

Na fotografia que aqui analisamos podemos ver a Chanceler Angela Merkel, chefe do governo da Alemanha desde 2005, cumprimentando Pedro Passos  Coelho, Primeiro Ministro da República Portuguesa desde 21 de Junho de 2011. Merkel lidera, na Alemanha a União Democrática-Cristã (CDU) e Passos Coelho o Partido Social Democrata (PSD). Ambos os partidos pertencem à família europeia do Partido Popular Europeu (PPE), o mais representado no Parlamento Europeu em Bruxelas.

A fotografia remonta a setembro de 2011, data do último encontro entre os dois líderes dos executivos destes dois países europeus. A fotografia sugere que Merkel e Passos Coelho, os intervenientes da fotografia e do encontro se vão beijar na boca num cumprimento mais íntimo e que sugere maior cumplicidade e sintonia entre ambos do que simplesmente um cumprimento protocolar de circunstância. A fotografia ao aparentar esse beijo, que não se confirmou realmente, capta a atenção do leitor e é a forma perfeita para passar a imagem de sintonia transnacional à escala europeia. Passa a imagem de um plano europeu conjunto entre estes dois líderes de executivos, pertencentes à mesma família política europeia, o PPE.

O PPE tem passado para os seus partidos afiliados a necessidade de desenvolver um plano europeu com via ao federalismo por via de um governo central único, com moeda única, constituição e orçamento comum com força vinculativa. Partindo daqui, temo-nos apercebido de um ajustar da linha editorial do Expresso a este plano europeu, com o qual o jornal se tem identificado e é notório nas mais recentes edições. O atual contexto de crise generalizada no espaço europeu e global, mas mais especificamente europeu, tem contado com a resposta de união, projeto comum e resposta federalista do PPE como fórmula de saída da crise. Por via da titularidade jurídica e económica do jornal Expresso, a sua linha editorial tem, cada vez mais, feito um enquadramento comentado e interpretativo favorável a esta solução e esta via política. O Expresso tem sido a nível nacional uma das mais proeminentes vozes na defesa deste iter e desta solução, bem como outros media do mesmo grupo, nomeadamente a SIC e SIC Notícias.

Com esta fotografia, a redação do Expresso pretende mostrar a força desta via de solução para a crise do espaço europeu bem como mostrar a sintonia e cumplicidade entre os dois países, Portugal e Alemanha, na foto representados pelos seus chefes de governo. Pretende assim dizer-se ao leitor que o executivo de Passos Coelho tem um rumo que é partilhado pela Alemanha, considerada o motor da economia europeia e o rosto visível do projeto europeu. Assim a fotografia transmite segurança ao leitor e a confiança de que o rumo das políticas levadas a cabo pelo executivo são necessárias, têm um objetivo comum e não são desgarradas de contexto e inserem-se num projeto multinacional de salvação da Europa da crise financeira em que se encontra mergulhada.

Para Roland Barthes, tudo significa, logo uma fotografia é também um sistema semiológico, assim, suscetível de ser forma para um mito. E, como mito, temos de considerar a presente fotografia na sua dimensão histórica diacrónica. Esta fotografia é uma fala, veicula uma mensagem que nos cabe desvendar, encontrar e interpretar para além da forma como os media camuflam o discurso e a realidade de forma a que os aceitemos de forma natural sem que façamos um julgamento subjetivo crítico. O mito, presente nesta fotografia apreende o sentido denotativo e transforma-o em forma, dando-lhe novos sentidos conotativos, que nos cabe aqui perceber.

Ficando na esfera da leitura denotativa, segundo o modelo de Barthes, diríamos que a fotografia apenas se refere ao cumprimento entre dos chefes de governo, mas se passarmos para a leitura e desconstrução do mito podemos ler a fotografia como a cumplicidade e sintonia entre os dois países, os dois chefes de executivo ou em última linha a presença de um grande plano comum de unificação estratégica europeia. Tudo isto pode ser aceite pela forma denotava e consumido de forma natural sem questionar, mas é no campo da conotação que devemos encontrar o sentido da mensagem da fotografia do Expresso que ao usar esta fotografia para anunciar a visita da Chanceler Merkel a Portugal pretende reforçar a ideia de cooperação estratégica entre os dois países e governos, bem como da participação integrante de Portugal na lógica da estratégia europeia. A fotografia conota uma imagem de aprovação por parte da Alemanha ao rumo das políticas do executivo de Pedro Passos Coelho. É este o princípio do mito, a transformação da história em natureza. Assim as intenções do mito não são ocultas, mas sim naturalizadas. Assim, conforme teoriza Barthes, o mito, presente nesta fotografia é um meio apropriado para a transmissão ideológica da sociedade burguesa e o perpetuar da democracia representativa, controlada por esta elite e a sua sustentação por via do sistema capitalista. Rótulos, todos eles rejeitados pela própria burguesia, a classe que não quer ser rotulada, pois só assim consegue esvaziar o seu sentido e ser aceite como natural, despolitizada e inquestionável.

Desta forma, percebemos o poder e influência dos media nas suas audiências e o seu papel no quadro das estruturas culturais, politicas, sociais e económicas da estrutura social. É este papel dos media que Van Dijk procura sistematizar e teorizar, na medida em que é a influência dos media que permite a perpetuação do poder destas elites. O poder deriva de valores socialmente valorizados como o estatuto, a riqueza, a força ou os conhecimentos. É o acesso a estes valores que torna as elites em elites, e por serem elites é a estas que os mediam dão voz e lhes reproduzem o discurso e valores. Sendo certo que os media à partida não têm o poder de controlar ações, exercem o seu poder por via da sugestão mental ou pensamento, passando para o espaço publico estas ideias como as dominantes, comuns, logo aceites como naturais sem que sejam questionadas.

Assim a propriedade dos media é uma condição de poder, pois como vimos, controlo dos media é poder social. Os próprios jornalistas são agentes do exercício deste poder e influência. O jornalista ao mimetizar diegeticamente um acontecimento, fá-lo em conformidade com os seus modelos, as suas representações mentais resultantes da sua experiência. Estes modelos são subjetivos e resultam da experiência pessoal e social do jornalista, influenciando a forma como este vai descrever mimeticamente o acontecimento a relatar. Assim, segundo Van Dijk, o jornalista publica não só com base nos seus modelos mas nos que pretende incutir ao seu público, exercendo desta forma controlo, na medida em passa publicamente a ideia de que são opiniões socialmente partilhadas. Assim, afetam a forma como compreendemos as notícias e em última análise, a forma como compreendemos e interpretamos a realidade.

"A foto-retrato é um campo cerrado de forças. Quatro imaginários aí se cruzam... diante da objetiva, sou ao mesmo tempo, aquele que a fotografia me julga e aquele de que se serve para exibir sua arte."


Bibliografia

―Roland Barthes

BARTHES, Roland, (2007), Mitologias, Lisboa, Edições 70

BRETON, Philippe, (2001), A Palavra Manipulada, Lisboa, Ed. Caminho

CORREIA, J. C. (s/d). «O poder do jornalismo e a mediatização do espaço público». In: www.bocc.ubi.pt/pag/jcorreia-poder-jornalismo.html

CORREIA, J. C. (s/d). "Jornalismo e espaço público". In: http://bocc.ubi.pt

FIGUEIRA, João (2012). O essencial sobre A Imprensa Portuguesa (1974-2010). Coimbra: Angelus Novus, Editora

VAN DIJK, T. (2005). «Poder e a Imprensa». In: Discurso, notícia e ideología. Estudos na Análise Crítica do Discurso. Porto: Campo das Letras

 

 

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