NOTÍCIAS DO FUTUNGO DE BELAS Versão para impressão
Quinta, 03 Maio 2012

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Muitas pessoas não perceberam porque é que andava a entrevistar banqueiros todos os dias.  As entrevistas foram feitas numa segunda, numa terça, numa quarta e numa quinta. 48 horas depois, o primeiro-ministro estava a pedir ajuda financeira. (…) Acabei por, com aquelas entrevistas, fazer parte de uma narrativa meticulosamente preparada pelos banqueiros”.

Judite de Sousa, Pública, 6 Fevereiro 2012

Em Novembro de 1999, nas suas primeiras semanas no parlamento, o Bloco de Esquerda criou incómodo nas bancadas do centrão. Fazenda e Louçã, os dois novos deputados, fizeram passar um protesto junto do governo angolano contra a prisão do jornalista Rafael Marques. Mas o voto referia a ausência de liberdade de expressão em Angola e foi contra essa blasfémia que o PS teve que se abster e que o PSD exigiu votações parciais, para que a prisão de um jornalista não pudesse ser pretexto de absurdas suspeições sobre a plenitude das liberdades no país da Sonangol. O voto lá passou, mas à vista de todos ficou a cumplicidade profunda do Bloco Central (secundado pelo PCP) com o regime do MPLA.

Vem esta referência a propósito de liberdade de imprensa em Portugal. Nos tempos da “ajuda externa” e do consenso do “resgate”, depois da confissão pública de Judite de Sousa, a jornalista que serviu de pé de microfone dos interesses da banca portuguesa, nestes tempos espantosos, engana-se quem julga que já viu tudo. Falta o Futungo de Belas.

Não debato neste artigo a captura pelo capital angolano (público e privado, os decisores são os mesmos) de empresas estratégicas no sector financeiro e nos monopólios de renda garantida em Portugal. O que importa sublinhar é que essas compras sucedem-se em aliança com a banca portuguesa, da qual o capital angolano é cada vez maior acionista. E que, ao mesmo tempo que se tornam poderosos banqueiros em Portugal, os frequentadores do palácio da família Santos estão empenhados em tomar posições decisivas no sistema mediático português.

A perseguição contra o cronista Pedro Rosa Mendes, removido da Antena 1, foi um eloquente aviso à navegação. Outros se seguirão, porque o pior dos sinais é a forma como o atual governo, com centro em Miguel Relvas, está decidido a facilitar aquele processo da maneira mais devastadora: a entrega a Luanda de uma RTP privatizada. O controlo articulado da banca (de onde vem e para onde vai a fina-flor dos governos do PSD e do PS) e de boa parte da comunicação social pelo poder angolano é a pior notícia para a liberdade de expressão e para as condições da democracia em Portugal.

A Newshold tem sido dos mais ativos a dominar estruturas acionistas da comunicação social em Portugal. Depois da maioria do capital do semanário Sol, o grupo adquiriu em finais do ano passado as posições do BPI e do Santander na Cofina, tornando-se dono de uns 20% da holding do Correio da Manhã, Record, Sábado e Jornal de Negócios. Detém ainda uma participação minoritária no grupo Impresa (SIC, Expresso, Visão), mas continua a comprar ações dispersas em Bolsa. A Newshold é detida pela Pineview Overseas, empresa de acionistas desconhecidos e com sede no offshore do Panamá. Os nomes mais associados pela imprensa ao capital da Newshold são o de Aldemiro Vaz da Conceição, porta-voz do presidente angolano, e o de António Maurício, vice-presidente da Fundação Eduardo dos Santos e presidente da Construtora do Tâmega. Com poucas semanas de intervalo, a ida para a Newshold do vice-presidente da RTP, José Marquitos, e o programa "Reencontro" promovido com estadão pela RTP em Luanda, foram lidos como anúncio de comprador para a RTP.

O regime angolano quer fazer de Portugal uma plataforma para afirmação da sua respeitabilidade no plano internacional. A família dos Santos e a elite político-militar-económica de Angola precisam de boas relações públicas na Europa e de recursos de propaganda diversos e sofisticados, capazes de influenciar a leitura internacional do seu regime cleptocrático. José Eduardo dos Santos sabe como é difícil maquilhá-lo, como um dia disse Rafael Marques.

Quanto à liberdade de expressão, é bom ver de onde vem o próximo assalto. Em 1999, quando o PS se absteve diante da prisão de um jornalista, governava António Guterres. Ao longo de todos estes anos, o poder angolano foi colonizando o Bloco Central e tem um poder nos capital financeiro que, naquele tempo, ainda mal se podia imaginar. Já se percebeu que Miguel Relvas, que vai decidir do lado de cá, é um amigo da casa da família Santos. A defesa do serviço público e da liberdade de expressão depende então da ação cidadã e, antes de mais, da capacidade dos profissionais da informação se defenderem, para não acabarem a acordar calados, feitos Rafael Marques de uma democracia privatizada.

Jorge Costa

 

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