Aprofundar a democracia local* Versão para impressão
Terça, 26 Julho 2011

 

CML

O Bloco é, desde a sua fundação há 12 anos, um fenómeno político em Portugal e na esquerda europeia, tornando-se “caso de estudo”. Só nos últimos dois anos, é obra duplicar a votação e o número de deputados e agora vê-los reduzidos a metade. É compreensível a “euforia” de Setembro de 2009, assim como a “depressão” de Junho de 2011. Mas não é desejável a adopção de um comportamento bipolar ou de uma trajectória errática. Vimos de longe e queremos ir ainda mais longe…

Entre as causas da derrota eleitoral de 2011, umas são de ordem conjuntural e outras estruturais. Sem ignorar as primeiras, este artigo concentra-se nas segundas, em especial as debilidades reconhecidas na nossa militância e organização, com efeitos à vista em 2009, no curto espaço de quinze dias, entre as legislativas e as autárquicas.

Sentimos reais dificuldades do Bloco nas autárquicas, mas não nos conformámos: no distrito de Beja, passámos de um deputado municipal (Castro Verde) para quatro (Beja, Almodôvar, Odemira e Serpa) e de dois para cinco eleitos nas freguesias – três em Colos, Odemira, onde ficámos a seis votos da presidência da Junta (PS).

Recusamos o estereótipo de que “o Bloco é um fenómeno urbano, sem capacidade de penetração no Alentejo, com o espaço ocupado à esquerda” que nos tentam impingir, aliás desmentido pelos resultados eleitorais – em 2011, a percentagem do distrito de Beja foi exactamente igual à média nacional: 5,2%.

Um partido da esquerda popular e socialista, combativo e plural, precisa de criar raízes fortes nos movimentos sociais, em espectro amplo, pela luta toda: laboral, estudantil, ambientalista, feminista, imigrante, LGBT, etc. E esta luta global precisa de expressão política também no local, através de uma esquerda moderna, capaz não apenas de resistir, mas de disputar terreno ao social-liberalismo.

Este caminho, árduo e complexo, não exclui uma política de alianças à esquerda. E esta exige, em primeiro lugar, plataformas políticas capazes de congregar uma unidade sólida. A segunda questão é com que forças nos poderíamos aliar.

Do ponto de vista programático, duas questões básicas da actualidade: a privatização da água, através do monopólio da Águas de Portugal; e a extinção de municípios/ freguesias, mantendo fora da agenda a regionalização, elo essencial de uma reforma administrativa coerente, democrática e descentralizadora.

No actual panorama político, o PS está comprometido em ambas as questões com a direita, através do memorando da troika; Sócrates, ainda ministro do Ambiente, foi o pioneiro da engorda do consórcio Águas de Portugal, à custa das competências dos municípios, preparando o actual processo de privatização.

O próprio PCP, não obstante declarações sonantes do secretário-geral – “perdemos uma Câmara, mas não perdemos a honra” – a propósito da adesão do Redondo à Águas do Alentejo Centro, anos depois avalizou a adesão de mais de uma dezena de Câmaras CDU à Águas Públicas do Alentejo, SA, igualmente controladas a 51% pela Águas de Portugal e hoje a caminho da privatização. Sem falar de práticas de gestão pouco consentâneas com a democracia participativa, nas quais não nos revemos.

A acção política independente do Bloco é essencial para combater a despolitização da vida autárquica, reduzida a “critérios de gestão” que já pouco distinguem “esquerda” e direita. Dizer não ao consenso neoliberal é afirmar o valor democrático da diferença.

Estas diferenças políticas substanciais não inviabilizam coligações e acordos pontuais, respeitando a identidade de cada força política, em situações excepcionais e devidamente identificadas: em 2009, a Convenção admitiu o caso do Funchal.

Mas uma ou outra excepção não se pode transformar em linha, sob pena de o Bloco abdicar por completo da sua implantação local, o que seria desastroso e agravaria uma das nossas fraquezas estruturais. Só uma rede consistente de activistas sociais e de eleitos locais permitirá enraizar e multiplicar a nossa expressão eleitoral.

Além da plataforma política, outra questão básica de qualquer política de alianças, até para os possíveis aliados, é saber quais são as nossas forças. Sem “tropas aptas para o combate”, não há política de alianças, apenas submissão e dissolução.

E não adianta meter a cabeça na areia, inventando passes de mágica para fugir às agruras da vida. Também a nível local, o Bloco tem de desbravar o seu caminho. As próximas eleições autárquicas, a dois anos de distância, são um óptimo teste à nossa resiliência, isto é, a capacidade de “dar a volta”, transformando as fraquezas em forças – o que vai implicar muito trabalho.

É preciso um novo impulso na segunda metade dos actuais mandatos autárquicos, na qual vamos enfrentar duríssimas medidas da troika. A extinção de autarquias é apenas o corolário dos encerramentos de escolas, serviços públicos de saúde, postos dos CTT e linhas ferroviárias, entre outros factores que agravam a desertificação de mais de dois terços do território. O Bloco tem de estar e crescer na mobilização popular.

E urge reforçar a intervenção política local, orientada pelas coordenadoras distritais e concelhias; dar maior visibilidade à intervenção dos autarcas, que não pode ficar confinada aos órgãos para que foram eleitos; intensificar a troca de experiências e a coordenação autárquica nacional, com mais apoio político e técnico; promover novas Jornadas Autárquicas nacionais e regionais.

Em paralelo, devemos iniciar a preparação das listas para as próximas autárquicas. Em cada concelho, a presença no máximo número de freguesias é, desde logo, uma garantia de melhores resultados eleitorais e, sobretudo, reforça a nossa implantação local. Por aí passa, também, a tão propalada renovação do Bloco.

Devemos rejeitar o sectarismo e a auto-suficiência, abrindo as listas a independentes. Em casos bem determinados, poderemos apoiar projectos de cidadãos com dinâmica própria (não listas partidárias encapotadas) que se identifiquem com os valores da democracia local e da participação cidadã. Mas a regra só pode ser: listas do Bloco.

No fundo, trata-se apenas de continuarmos fiéis ao nosso manifesto fundador: “não esperar nada do PS e não ficar à espera do PCP”.

E venham mais cinco, muitas vezes!

Alberto Matos

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(*) - Em vez da tradicional designação “poder local”, prefiro a de democracia local – afinal, o povo é quem mais ordena…

 

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