A falácia macroeconómica dos Governos PT Versão para impressão
Terça, 26 Novembro 2013

dilma-privatizacao-leila-de-libraVende-se a ideia de que o Brasil é o modelo a seguir no que toca ao combate à pobreza, à prosperidade económica e ao desenvolvimento social da última década. É uma farsa. Os últimos 10 anos de governos do Partido dos Trabalhadores (PT) deram continuidade a um conjunto de políticas neoliberais e primaram pela priorização dos interesses burgueses em detrimento da justiça social. Esta década de governação desaguou num mar de protestos como nunca antes vistos no Brasil. O mote foi o aumento do preço do autocarro em 20 centavos, mas as reivindicações são muitas mais. A primavera brasileira (ou jornadas de junho) permitiu desconstruir muitos dos mitos que se criaram em torno dos governos Lula e Dilma.

As eleições presidenciais de 2002 deram-se num contexto muito particular: aconteceram após dois mandatos desastrosos do PSDB, pela mão de Fernando Henrique Cardoso, marcados por escândalos de corrupção, privatizações, altas taxas de desemprego, brutais cortes nos direitos sociais que desmobilizaram a luta de classes e acentuaram as desigualdades sociais, entre muitos outros ataques ideológicos que colocaram em causa a democracia política e colocaram a economia brasileira numa posição de dependência externa. É nesta conjuntura que Lula é eleito, na segunda volta, a 27 de Outubro de 2002, tomando posse a 1 de Janeiro de 2003.

A eleição de Lula, após três derrotas eleitorais, provaram que o Brasil procura(va) um projecto alternativo. Elegeram um ex-operário e líder sindical, com um passado ligado à luta contra a ditadura militar e fortes greves operárias, que concorria pelo PT, um partido fundado a partir das lutas sociais e que gritava por melhores condições de vida, trabalho e salário. Esta eleição parecia reavivar a chama da esperança para Esquerda no Brasil. Infelizmente, o PT estava já, desde a década de 90, num processo de distanciamento ideológico face aos valores que lhe deram origem e isso reflectiu-se nos mandatos que se seguiram.

Há uma falácia intrínseca ao discurso dos apoiantes dos governos PT: usam como base de comparação os governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e Fernando Collor de Mello. Por muito que seja uma comparação válida, serve de pouco por ser incompleta. A realidade é desmascarada quando comparamos o desempenho da economia brasileira nos últimos dez anos ao que é o padrão histórico brasileiro e ao que são os valores médios internacionais. Lula fez um esforço por se distanciar da linha política do governo de FHC, contudo deu seguimento a parte da sua orientação estratégica e, mesmo nos pontos em que difere do anterior governo, prima por regressar ao que eram os modelos políticos brasileiros anteriores ao invés de transformar a conjuntura económico-social brasileira com uma mudança na orientação política.

Os governos PT conquistaram muitos votos através da exploração da pobreza e da miséria. Os Direitos Universais, inalienáveis à condição humana, foram substituídos por um discurso demagógico e uma política populista de assistência social, cujos cálculos se fazem acentuando a miserabilidade dos cidadãos. Infelizmente, este discurso, que inverte o papel do Estado, criando nas pessoas a sensação de gratidão por receberem um subsídio ao invés de o aceitarem como um direito, foi aceite nas classes mais desfavorecidas e distanciou as pessoas da luta de classes. Lula conseguiu muitos votos em regiões onde não era comum, nomeadamete em pequenas cidades do interior e no Nordeste brasileiro, áreas conhecidas pelo seu elevado índice de pobreza.

Paralelamente, os governos de Lula – aos quais Dilma dá seguimento -, tornaram a violência policial e institucional mais visível e poderosa. Nas favelas, inclusivamente, chamam-lhe "pacificação". Vendendo a ideia de que estão a tornar as cidades mais habitáveis e a "socializar" as favelas, os governos PT aumentaram o aparato policial nas favelas, criando Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), que são unidades policiais de cariz permanente, altamente armadas, semelhante aos militares que vemos em contextos bélicos. O número de mortos provocados pela polícia aumentou e, parte desse aumento deve-se ao número de assassinatos provocados por tiro na nuca, a curta distância, o que prova que há um excessivo uso de violência para com quem vive à margem da sociedade por imposição do sistema capitalista.

À semelhança do que vemos em Portugal, no Brasil os governos PT também reproduzem o discurso neoliberal do empreendedorismo.  Criam nas populações a ideia de que os trabalhadores são responsáveis, exclusivamente através do seu esforço individual, por criarem alternativas à sua situação precária e/ou de desemprego. Culpabilizam os trabalhadores e desempregados pela sua situação, desresponsabilizando o Estado das suas funções sociais. É irónico observar que os grandes projectos de apoio ao empreededorismo são financiados pelo grande capital mas dependem sempre de apoios ou benefícios do Estado. Esta alteração da linguagem, que transforma as vítimas do sistema em culpadas pela sua situação de pobreza, é geral; a propaganda política alterou o registo com que noticiamos os factos para que se tornem menos gravosos. Há uma tentativa de dissimular a tragédia social em que o Brasil (ainda) está imerso, não falando sobre o assunto.

O fraco desempenho do crescimento económico durante os governos PT está directamente associado às baixas taxas de investimento na economia brasileira. Entre 2003 e 2014 (previsão), a taxa média de investimento do Brasil é de 18.8%; a média e a mediana, segundo os dados do FMI, são de, respectivamente, 23.9% e 22.5%. A média mundial da taxa de investimento é cerca de 30% superior à registada no Brasil. A taxa de inflacção brasileira durante os governos de Lula e Dilma, de cerca de 6.1%, também é ligeiramente superior à verificada nos países do painel do FMI. As perspectivas económicas para o futuro brasileiro não são positivas: espera-se uma regressão social e um aumento significativo da inflacção. Isto é um reflexo dos problemas que se vivem na indústria brasileira. O Brasil ocupa agora o 4º lugar no ranking dos países mais vulneráveis financeiramente.​

Não são apenas as empresas que apresentam problemas de liquidez e financiamento; há cada vez mais famílias que recorrem ao crédito e um número ainda superior de famílias que estão em incumprimento face aos bancos. O incumprimento aumentou, per capita (adultos), em 3.3 pontos percentuais. Estes valores explicam-se facilmente: houve um oportunismo político que foi, em parte, causa da grande expansão de oferta de crédito; as taxas de juro aplicadas são exorbitantes – e não há regulamentação eficaz face ao abuso de poder dos bancos - ao passo que o crescimento real dos salários é muito baixo; a população, em particular as de baixo rendimento, têm necessidade de recorrer ao crédito para colmatar as dificuldades do quotidiano, provocadas pela exploração capitalista dos rendimentos.

Em relação a 2003, o discurso neoliberal está, de facto, mais fraco. Contudo, isso nada tem a ver com os governos PT mas sim com a descredibilização do sistema financeiro, que sofreu uma crise em 2008. Lula e Dilma não se aproximaram, nem por breves momentos, a um governo socialista; pelo contrário, permitiram que o neoliberalismo ganhasse ainda mais raizes no Brasil. As privatizações de empresas estratégicas não foram revertidas, a função pública sofreu um grande ataque por parte do governo Lula e a reforma agrária foi um assunto esquecido. O Brasil continua a ser um país rico monopolizado por grandes grupos estrangeiros e nacionais. A distribuição da riqueza continua a ser altamente desigual.

O PIB poderá ter aumentado, a taxa de desemprego poderá ter descido. Os valores macroeconomómicos poderão ajudar a uma leitura positiva – ainda que descontextualizada -  dos últimos 10 anos de governo no Brasil. No entanto, o que os dados não mostram é a desigualdade da distribuição, a precariedade dos empregos criados e a instabilidade economico-social em que as famílias vivem.

Os governos PT confundiram o espectro político brasileiro. A Esquerda terá de fazer um esforço redobrado para se reorganizar e conseguir desconstruir os discursos populistas que se difundiram nos últimos dez anos.

Sara Schuh

imagem: "Dilma privatizacao leilão de libra" do cartunista Carlos Latuff

 

A Comuna 33 e 34

A Comuna 34 capa

A Comuna 34 (II semestre 2015) "Luta social e crise política no Brasil"EditorialISSUUPDF

 capa A Comuna 33 Feminismo em Acao

A Comuna 33 (I semestre 2015) "Feminismo em Ação"ISSUU | PDF | Revistas anteriores

 

Karl Marx

 

 
 

Pesquisa


Newsletter A Comuna

cabeca_noticias

RSS Esquerda.NET