Violência de género na Europa Versão para impressão
Domingo, 17 Novembro 2013

europaNas vésperas do Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres, 25 de Novembro, A Comuna publicará artigos relacionados com a violência de género. O primeiro artigo é sobre violência de género na Europa, um Artigo de Vânia Martins

 

Casa, uma parede construída pelo ser humano cuja função é constituir-se de um espaço de moradia para um indivíduo ou conjunto de indivíduos, de tal forma que eles/as estejam protegidos/as dos fenómenos naturais exteriores (como a precipitação, o vento, calor e frio, entre outros), além de servir de refúgio contra ataques de terceiros. A nossa casa, dentro das nossas portas, esse lugar que nos devia proteger do mundo lá fora é um dos lugares mais perigosos para as mulheres em todo o mundo. Para as mulheres europeias entre os 16-44 anos de idade a violência dentro de portas é a primeira causa de ferimentos ou morte, sendo mais letal que os acidentes rodoviários ou o cancro.

45% das mulheres da União Europeia dizem já ter sofrido alguma vez violência de género e estima-se que morram 7 mulheres por dia na União Europeia por violêcia de género, segundo dados do Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Erradicação da Violência Doméstica Contra as Mulheres (2012). Segundo o mesmo documento a violência contra as mulheres custa 32 mil milhões de euros aos 47 países membros do Conselho da Europa.

Podemos entender por Violência de Género todo o acto de violência fisica ou psicológica (incluindo as agressões á liberdade sexual, as ameaças, as coacções ou a privação arbitrária da liberdade) que se exerça contra uma mulher. Embora este conceito pretenda ser mais amplo de que o de violência doméstica uma vez que expressa o mecanismo de sujeição das mulheres aos homens na ordem social, que não ocorre aleatoriamente mas antes resulta de uma organização social do género que previligia o masculino, é comummente usado como alternativa ao conceito de violência doméstica.

Apesar de todas as medidas que a União Europeia tentou implementar, como a Convenção para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres (e que ainda está por assinar por parte de alguns países europeus) e apesar de continuarem a faltar dados estatisticos fiáveis e comparaveís os números conhecidos são suficientemente alarmantes para não restarem duvidas sobre a magnitude do problema.

Em países como a Alemanha, Finlândia, Dinamarca, Noruega e Suécia, considerados como países modelos em políticas de Igualdade de género, as estatisticas demonstram que cerca de 40% das mulheres nórdicas já foram ou são vítimas de violência de género. A Finlândia é um dos países europeus com maior taxa de incidência de violência doméstica e consequentes femicidios. Na Suécia, por exemplo, dados de 2010 estimam 16 femicidios no país. Uma das razões para estes números assustadores poderá ser o facto de que a emancipação feminina e a implementação das políticas de igualdade fez-se sobretudo para permitir a integração das mulheres em igualde de circunstâncias nos mercados de trabalho e não para alterar realidades dentro de portas.

No Reino Unido, a cada minuto a polícia recebe um telefonema a pedir ajuda para casos de violência doméstica, a cada 6 dias morrem duas mulheres às mãos dos seus companheiros ou ex-companheiros, num país em que se estima que 1.2 milhões de mulheres são vítimas de violência de género. Este tipo de violência custa ao país cerca de 4 mil milhões de euros, sendo que mais de metade desse valor é gasto com vítimas de alto risco. Na Irlanda, segundo dados da Federação Irlandesa da Women´s Aid, 1 em cada 5 mulheres é ou foi vítima de violência doméstica e desde 1996 que 194 foram assassinadas sendo que 99% dos agressores eram homens.

En França, ano passado morreram 148 mulheres por violência de género, um problema que custa ao país mil milhões de euros por ano. Na Bélgica estima-se que 1 em cada 5 mulheres é vitima de violência doméstica; no Luxemburgo a policia recebe por mês cerca de 40 pedidos de ajuda, num país onde se estima que 40% dos agressores sejam da comunidade portuguesa residente no país.

Na Roménia, os dados existentes são de 2004, mas são igualmente assustadores: 13 mortes por cada milhão de mulheres (numa população de cerca de 22 milhoes de romenos/as). Na Bulgária uma em cada quatro mulheres são vitimas de violência doméstica; na Hungria não existem sequer estatísticas oficiais sobre a violência doméstica, que não é identificada na lei penal do país. Na Républica Checa cerca de 16% das mulheres sofreram violência doméstica, a maioria das quais na faixa etárias dos 25 aos 40 anos, e que 61% dos casos ocorreram entre marido e mulher.

A Grécia não regista sistematicamente nenhum tipo de dados sobre violência contra mulheres e crianças e os inquéritos por amostragem não são representativos devido à sua reduzida dimensão. O Chipre não tem uma estatística oficial sobre violência doméstica e os casos podem ser registados na polícia, na segurança social e noutras instituições, o país conta apenas com uma casa abrigo com capacidade para acolher 3 famílias.

Na Polónia as estatísticas também são escassas, mas em 2007 a polícia recebeu 130,682 queixas de violência doméstica, um valor que se acredita muito aquém do número real, uma vez que sabemos que muitos dos casos não são sequer reportados. Na Lituânia, que só considera a violência doméstica crime desde 2011, estima-se que 56% das mulheres casadas e 15% das mulheres divorciadas foi ou é vítima de violência doméstica; na Estónia 200 casos de violência doméstica são reportados diariamente às autoridades embora a violência doméstica não constitua uma infração penal distinta.

Em Itália a violência doméstica é mais mortífera que a máfia Em 2011 registaram-se 137 femícidios no país. Em 2010 estimava-se que cerca de 6.7 milhões de mulheres italianas sofreram violência física e sexual ao longo das suas vidas. No Estado Espanhol a violência doméstica também matou mais que a ETA, sendo que em média são mortas 6 mulheres todos os meses por causa deste crime. Ano passado, a policia registou 32.242 queixas de violência doméstica, 8000 das quais na região Autónoma da Andaluzia que lidera o ranking estatístico do estado espanhol. Granada, por sua vez, regista o maior número de vítimas adolescentes.

Em Portugal, segundo dados do Observatório das Mulheres Assassinadas, da UMAR, morreram até Novembro de 2012 36 mulheres; no ano de 2011 houve 27 femicidios no país. No mesmo ano a APAV estimava que 19 mulheres por dia eram vítimas de violência doméstica. A lei portuguesa sobre este crime é das melhores da Europa mas infelizmente a sua aplicação não acompanha a qualidade da mesma. A verdade é que muitas das mulheres sobreviventes de violência doméstica experienciam processos de revitimização por parte do sistema judicial português. Ainda no mês passado saiu a sentença de um agressor que apesar de ter esfaqueado a namorada, menor, 23 vezes e a ter colocado entre a vida e a morte nos cuidados intensivos de um hospital, foi condenado a 3 anos de prisão por o juiz considerar que não houve intenção de matar a vitima, mesmo que o acórdão refira que se a vitima não tivesse recebido socorro imediato, tinha morrido. É necessária formação dos agentes de polícia e juízes pelo papel que desempenham na recepção da queixa e no julgamento do agressor. A sua ação pode ajudar a transformar uma experiência traumatizante numa nova esperança.

Os números relacionados com outras formas de violência contra as mulheres que não a doméstica são igualmente assustadores: estima-se que 500 mil mulheres ou raparigas tenham sido sujeitas ao ritual da  mutilação genital dentro das fronteiras europeias; entre 40 a 45% das mulheres europeias refere ter sido alvo de assédio sexual no local de trabalho, numa Europa Comunitária onde o assédio sexual nem sequer está tipificado na lei como crime em alguns dos países membros. No que diz respeito à esterelização forçada não existem sequer dados oficiais mas sabemos que as mulheres de etnia cigana, as mulheres com doenças psíquicas e as transexuais, são esterilizadas sem consentimento. A Suécia apenas este ano proibiu a esterilização forçada dos/das transexuais por ser um atentado aos direitos humanos deste grupo de pessoas. Em relação ao tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual, um dos três tipos de crime mais lucrativo do mundo, estima-se que cerca de 175 mil mulheres provenientes dos países de leste são traficadas para prostituição forçada sobretudo na Europa. O casamento forçado é outra forma de violência em que falta de estatísticas e estudos ou de harmonização legislativa são alguns dos fatores apontados para o desconhecimento do problema. No ano passado, no Reino Unido, 1500 vítimas denunciaram este tipo de violência, uma ínfima percentagem do número de casos.

Na declaração final da Segunda Cimeira das Mulheres no poder, em 2010, 25 ministras e numerosos lideres da UE reconheceram que a Igualdade de Género continua por concretizar e que a violência contra as mulheres é um problema persistente e uma grave violação dos direitos humanos. Embora os crimes domésticos não se limitem apenas às agressões contra as mulheres, importa notar que outros crimes cometidos no contexto doméstico, como o caso do abuso sexual de menores, são considerados repugnantes enquanto que na violência doméstica ainda se procuram escrutinar as razões que levam os agressores a cometer essa violência. 2.3% dos/as Europeus/eias ainda consideram que a violência doméstica é "aceitável em determinadas circunstâncias" e 0.7% "em todas as circunstâncias". São 3 em cada 100 europeus/eias que consideram a violência doméstica um comportamento legitimo e aceitável.

Abordar o problema da violência contra as mulheres como uma questão de direitos humanos deveria ser o caminho a seguir uma vez que acentua a responsabilidade dos Estados membros na prevenção e sanção deste tipo de violência e o dever de "prestarem contas" sobre como cumpriram esta obrigação. Além disso, conduziria a uma resposta holistica e multissectorial no sentido de prevenir e eleminar a violência contra as mulheres, incluindo os tribunais, o sector da saúde, as politicas de desenvolvimento local, o poder legislativo, entre outros.

 

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