Ensaio sobre a cegueira Versão para impressão
Segunda, 27 Maio 2013

bank-offshore114 biliões de euros passeiam-se anualmente por paraísos fiscais em todo o mundo. É tão simples criar um offshore como pedir um crédito por telefone: é rápido, fácil e sem perguntas chatas. Atrair investidores estrangeiros a imposto zero é a boa intenção que camufla capitais sonegados provenientes maioritariamente da corrupção e de actividades ilícitas.
Artigo de Rute Simão

 Enquanto uma minoria continuar a nadar nas águas da riqueza dos paraísos fiscais, vamos ter sempre uma maioria de pessoas afogadas pela pobreza (Martins, 2010:145)

14 biliões de euros passeiam-se anualmente por paraísos fiscais em todo o mundo. É tão simples criar um offshore como pedir um crédito por telefone: é rápido, fácil e sem perguntas chatas. Atrair investidores estrangeiros a imposto zero é a boa intenção que camufla capitais sonegados provenientes maioritariamente da corrupção e de actividades ilícitas. Fugir à tributação fiscal sobre os grandes lucros é cada vez mais o jogo predilecto daqueles cuja única contribuição reverte directamente para o aumento da pobreza. Um jogo permitido por mais de 83 países onde a batota é consentida.

As regras são simples e aliciantes: um país ou território (Estados soberanos ou dependências autónomas de outros Estados) que oferece um conjunto de vantagens a pessoas colectivas ou singulares para que estas transfiram os seus capitais ou empresas para estes lugares. Estas "vantagens" são impostos reduzidos ou nulos que estão interditas a habitantes locais e não existem nos países de origem destes "investidores". Os paraísos fiscais típicos não procuram, no entanto, atrair empresas: o que fazem é atrair operações financeiras (banca, seguros) mediante a atribuição do estatuto de residente a sociedades comerciais que têm uma ligação apenas formal com o seu território (empresas de caixa postal, diz-se muitas vezes) (...) o que faz com que seja uma jurisdição escolhida por contribuintes que se movem em zonas escuras do sistema (...) (Sanches, 2010:68) O forte sigilo bancário e a facilidade na criação de empresas aliados à isenção de impostos são o caminho certo para o xeque-mate da evasão fiscal.

Segundo dados da Oxfam ( Oxford Committee for Famine Relief) confederação internacional que trabalha contra a pobreza, são 120 mil euros em receita fiscal que ficam perdidas nas offshores e que dariam para acabar duas vezes com a pobreza no mundo. É dinheiro que não se vê, não se sabe de onde veio nem para onde vai, filho do capitalismo mais selvagem que atira milhões para a pobreza e enfatiza as desigualdades sociais de forma gritante.

Offshore Leaks

Quando em 2011 Gerard Ryle, director do International Consortium of Investigative Journalists (ICIJ), recebeu de forma anónima um disco com informações, estava longe de imaginar que teria nas suas mãos 2,5 milhões de documentos exclusivos sobre 170 países, contendo revelações relativas a 120 mil companhias offshore.

Mais de 90 jornalistas espalhados por 47 países, ligados aos mais importantes órgãos de comunicação do mundo, têm estado a analisar estes dados ao longo dos últimos meses. Ainda falta um longo caminho até ao desfecho final mas são já conhecidos alguns dados desta investigação.

Nomes de várias personalidades em diversos países foram já revelados, sendo que a maioria tem ligações à classe política. Um dos mais mediáticos é Jean-Jacques Auguier, tesoureiro de campanha do Presidente François Holland que declarou na passada semana à entrada da reunião de líderes dos 27, em Bruxelas, que é preferível ir buscar o dinheiro onde ele se esconde a aumentar impostos àqueles que já os pagam.

Portugal não ficou de fora e há já 22 nomes e 12 offshores com ligações ao país. Estes offshores estão registados em nome de directores cujas moradas são em Lisboa, Estoril, Porto, Almancil e Tavira. Apenas quatro têm nacionalidade portuguesa e há ainda dois portugueses residentes em Madrid.

A fuga de informação que originou todo este processo terá saído de duas empresas especialistas na criação e gestão de offshores, a Comonwealth Trust Ltd. (CTL) das ilhas Virgens Britânicas e a Porcullis TrustNet (PTN), das Ilhas Cook. Com 19 e 25 anos respectivamente, estas empresas são compostas por um leque de advogados, gestores, administradores e contabilistas cuja especialidade é, como os próprios dizem, "a criação de riqueza pessoal". A PTN declarou em comunicado no seu site que foi já identificado um suspeito pelo roubo das informações e que este roubo apenas contemplou dados até ao início do ano de 2010. A segurança foi revista e reforçada com a contratação de uma empresa especializada (KPMG).

O paraíso na outra esquina

Descobrimos que o sigilo bancário não serve apenas para a lavagem de dinheiro, evasão fiscal, drogas e corrupção, mas também para o encobrimento do terrorismo. Temos circunscrito o uso do sigilo bancário no que se refere ao fenómeno do terrorismo – e portanto provámos que isso pode ser feito. Mas optaram por não enfrentar os problemas da corrupção e da evasão fiscal, o que deixa os países em desenvolvimento à beira de um ataque de nervos porque são privados de muito do dinheiro necessário às suas economias. (Joseph Stiglitz,2009)

Enquanto avultadas quantias de dinheiro não tributadas continuam secretamente a desaparecer para o paraíso fiscal do lado alimentando a corrupção, os mais pobres suportam através dos seus impostos os serviços públicos fundamentais que o Estado deve garantir. A justiça fiscal é uma responsabilidade de todos da qual as classes mais ricas fogem protegendo as suas fortunas milionárias.

A recusa veemente em terminar com o sigilo bancário (por parte de países como a Suiça ou a Áustria, os dois únicos da União Europeia) é a engrenagem que permite que o jogo continue levando à vitória da fraude. De olhos vendados para a realidade, por entre atalhos para a sonegação, estas elites mágicas desaparecem com milhões que nos pertencem a todos e não sabemos por onde andam.

Costuma-se até dizer que não há cegueiras, mas cegos, quando a experiência dos tempos não tem feito outra coisa que dizer-nos que não há cegos, mas cegueiras. (Saramago,1995)

 

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