"O fenómeno de Fátima" e o advento de Salazar Versão para impressão
Segunda, 13 Maio 2013

omilagredefatimaA I República, com a introdução da lei da separação do Estado e da Igreja, no ano de 1911, viria a erguer uma das suas principais oposições, ou seja, a Igreja afigurava-se deste modo como uma das principais fações de oposição ao regime que até então vigorava. O clima que pairava pelo País era de uma imensa hostilidade para com a instituição mais antiga do Mundo, resultando num esfriamento da fé, que por sua vez se consubstanciava numa diminuição da afluência à Igreja. Com este panorama nacional, tornava-se imperioso introduzir a novidade, o misterioso. Segundo Manuel Poirier Braz, o campo do catolicismo pretendia reverter o laicismo republicano que inundava o nosso quotidiano e desta forma, deparamo-nos com o fenómeno sobrenatural de Fátima sendo que por sua vez, este atribui-o mesmo ao Centro Académico de Democracia Cristã (CADC), constituído por elementos como Cerejeira ou Salazar[1].

Assim, a sobrenaturalidade suporta consigo uma naturalidade latente, ou seja, Nossa Senhora de Fátima, antes de possuir uma dimensão transcendente, assume-se como resultado do transcendental, das condições de possibilidade (espaço e tempo), outrora concebidas por Kant. Apesar do autor da tese não fazer menção ao mesmo, podemos reproduzir para este caso concreto a fórmula marxista que defende uma conceção de Deus por via do Homem e não o oposto.

O autor, remetendo-nos para as "aparições de Fátima", enquadra-as numa "ideia" concebida por um grupo de eclesiásticos, dentre os quais estaria António de Oliveira de Salazar, visando a consumação de três objetivos a curto prazo. Como primeiro objetivo, perspetivava-se a criação de um novo centro de peregrinação do mundo católico, visto que a primazia era detida pelo santuário de Lourdes. De seguida, pretendia-se obter uma importante fonte de receita para a propaganda católica e por último, visava-se a utilização de Fátima como uma arma contra o regime republicano.

Vejamos de seguida a revelação destes três enunciados. Quanto ao primeiro objetivo, dá-se a conhecer pelo boletim do clero de Vila Nova de Ourém, concelho a que pertence a freguesia de Fátima. Após a terceira aparição, o mesmo boletim, datado de 29 de Junho de 1917, afirma a possibilidade de Fátima ser uma segunda Lourdes, afirmando-se que para Deus e para a Virgem nada é impossível. Por sua vez, o segundo objetivo surgia a descoberto na edição d'O Século, de 13 de Outubro de 1917, quando Avelino de Almeida não nega as vantagens temporais que poderiam advir desse fato. Por fim, o terceiro objetivo seria transposto de uma forma indireta pelo Bispo de Leiria, D. José Alves Correia da Silva, afirmando o mesmo de uma forma meticulosa, mas extremamente elucidativa das pretensões na esfera do catolicismo. Os fins políticos dos milagres de Fátima tornam-se patentes com o anúncio, por parte da Virgem, da restauração monárquica e do fim da Primeira Guerra Mundial.

Destarte, observemos o papel de Salazar nesta contenda. Como transmitiria a Franco Nogueira, as suas ambições e a sua vocação passavam por tornar-se "primeiro-ministro de um rei absoluto". Desde o ano de 1912, Salazar manifesta-se favorável a soluções de reconciliação entre regime político e Igreja, sendo desta forma favorável à pretensão do poder condicionado da Igreja, algo que lhe seria valioso anos mais tarde, na dominação dos súbditos. O ano de 1919, torna-se marcante pelo fato de ser a primeira aparição de Salazar do ponto de vista político. Estávamos em plena tentativa de restauração monárquica, a "Monarquia do Norte", sendo que dentre os envolvidos estava o professor da Universidade de Coimbra.

Após 90 anos, importa recordar que os objetivos estipulados inicialmente, sobre Fátima, viriam a ser realizados. Assim, Fátima tornar-se-ia no "altar do mundo", efetivando-se como um dos principais centros de peregrinação da Igreja Católica; o objetivo lucrativo seria plenamente concretizado, colocando a possibilidade do Vaticano proceder a administrar diretamente o santuário; por fim, apesar dos inúmeros danos que o regime da I República introduziu no seio da Igreja, este pereceria com o golpe de 28 de Maio de 1926.

Por todos os elementos atrás expostos, fica elucidada e posta a nu a manipulação de Fátima por determinados agentes e instituições, sendo que os seus "milagres" sempre serviram de manipulação política e ideológica. Para concluir com o pensamento do autor, Fátima "Constituiu ainda, durante todo o tempo da vigência do Estado Novo- e, pelos vistos, até hoje -, um poderoso instrumento de poder condicionado, utilizado simultaneamente pelo Estado e pela Igreja, para manterem os seus rebanhos dóceis e resignados"[2].

Tiago Ramalho

Referências

[1] Cf. BRAZ, Manuel Poirier (2008) "Salazar. A Cadeira do Poder". 1ªEd., Lisboa, Editorial Presença, p.21.

[2] Idem, ibidem, p. 29.

 

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