Finalmente, um Papa cristão? Versão para impressão
Sexta, 05 Abril 2013

pope copySerá mais fácil Cristo descer à Terra do que achar um Papa cristão?  Pelo menos o Cristo em que eu acreditei até à adolescência, o que cresceu do menino Jesus de Alberto Caeiro que dizia que "Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica", se descesse à Terra começaria  por expulsar os vendilhões do Vaticano e abolir o papado. 
Artigo de Carlos Vieira e Castro

"A Fragilidade do Nó Cego -  O Casamento na Igreja Cristã, Católico-Romana -  O Divórcio e o Segundo Casamento", eis o título e subtítulos do livro do padre Costa Pinto, apresentado em Viseu por José Manuel Pureza, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, na passado 16 de Março. A exclusão da Igreja dos católicos recasados é um problema pastoral anti-evangélico, diz o padre Costa Pinto, já conhecido por ousar afrontar a hierarquia católica, em 1970,  com o livro "O casamento dos padres", comentário à encíclica "Coelibatus Sacerdotalis" de Paulo VI, que a Censura mandou apreender pela PIDE (um recurso para Marcelo Caetano levou à revogação da apreensão), e que lhe valeu a excomunhão por "desrespeito ao Santo Padre". Em 1987 foi reabilitado pelo Bispo de Bragança. Em  2007 defendeu o Sim à despenalização da mulher por Interrupção Voluntária da Gravidez.     
O livro destaca dois traços da tradição da Igreja católica: a menorização do estatuto social das mulheres e "a paranóia anti-sexual" que se manifesta no culto da virgindade/ castidade ou na afirmação de S. Jerónimo (Séc. XV) de que "a relação sexual incapacita para a oração".

Como católico praticante, José Manuel Pureza (que ainda recentemente escreveu um artigo no suplemento "Q", do Diário de Notícias, sobre "Recuperar a ideia de Jesus que muda as nossas vidas"),  começou por considerar preocupante que se ande a "falar muito no Papa, mas pouco ou nada sobre Jesus", lamentando que a sua proposta de vida tenha sido substituída pela obediência resignada a dogmas".

Pureza sublinhou a "contradição indissolúvel entre a vida de Jesus e a tradição católica que desconfia do matrimónio, que o canoniza, mas condena o divórcio e pune os divorciados recasados", não obstante o Concílio Vaticano II ter realçado a centralidade da consciência livre da coacção externa de qualquer autoridade humana. E acrescentou que o discurso da indissolubilidade do casamento é a apologia estóica (ai aguenta, aguenta!) do sufoco".

A propósito do sufoco provocado pelos dogmas, vem-me à memória a parábola do cristão que recusara acobertar debaixo do seu guarda-chuva quem não se convertesse à sua crença...Mas isso são outras escrituras.  

Por curiosa coincidência, no mesmo dia da apresentação em Viseu do livro do padre Costa Pinto, um outro padre,  Anselmo Borges, teólogo e professor de Filosofia na  Universidade de Coimbra, escrevia no DN, a propósito do novo Papa: "A Igreja não pode entender-se como uma gigantesca empresa multinacional religiosa ou um aparelho de poder: As mulheres não podem ser discriminadas. A moral sexual pede revisão, bem como a lei obrigatória do celibato, que deve ser opcional. Decisiva é a reforma da Cúria, verdadeiro cancro da Igreja".

Será o Papa Francisco, que tanto entusiasmo parece concitar entre os fieis da segunda maior religião do mundo (16%) , logo a seguir à muçulmana (22%), capaz de levar a cabo semelhante tarefa? Há quem acredite que sim com a mesma fé com que acredita em milagres. Mas há quem tenha ficado desiludido com a escolha dos cardeais. É o caso da Associação Rumos Novos – Homossexuais Católicos" devido às posições fundamentalistas do ex-arcebispo Bergoglio contra a homossexualidade e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Também alguns jornalistas, as Mães da Praça de Maio, o Centro de Estudos Legais e Sociais e outras associações de defesa dos  direitos humanos da Argentina e familiares e amigos das vítimas de torturas e assassinatos da ditadura militar (que incluem  150 sacerdotes e freiras e trinta mil "desaparecidos",  muitos deitados ao mar a partir de aviões da marinha, bastantes vezes com a bênção de sacerdotes) acusaram o novo Papa de ter sido, juntamente com a hierarquia da Igreja argentina, cúmplice da ditadura que se vangloriava de "limpar a Argentina de comunistas e ateus".

Dois padres jesuítas, Orlando Yorio e  Francisco Jalics, denunciaram a um jornalista de investigação, segundo o jornal "Página 12",  que, há 37 anos, o provincial Bergoglio os entregou aos militares que os raptaram e torturaram, ao negar-lhes a protecção da Igreja, dando-lhes a escolher entre a Companhia de Jesus ou o trabalho social nos bairros pobres de Buenos Aires. 

Bergoglio disse que só há cerca de dez anos teve conhecimento do rapto de bebés de prisioneiras dos militares, distribuídos pelo Movimento de Famílias Cristãs, mas o avô de Ana de la Cuadra denunciou que, há 35 anos, lhe enviou duas cartas a pedir ajuda para reencontrar a filha Elena, desaparecida quando estava grávida de 5 meses, e da neta nascida na prisão e imediatamente levada para parte incerta, e a única resposta que obteve da Igreja foi que a menina se encontrava em boas mãos.

Não será por acaso que,  apesar de 90% dos argentinos se considerarem católicos, apenas  22% se assumem praticantes.

Que o Papa tenha feito um telefonema sem a ajuda de ninguém, ou que tenha andado de autocarro ou ainda que os seus sapatos usados tenham contrastado com os Prada vermelhos de Bento XVI, supostos sinais de humildade e de humanidade do novo papa, não chega para mitificar mais um monarca absoluto do Vaticano. Mais  significativo do que  lavar os pés de mulheres será lavar as mãos da cúria.  A verdadeira prova dos nove seria acabar com a lavagem de dinheiro da mafia no Banco do Vaticano IOR, investigado pelo Banco Central de Itália, acabar com a protecção dos padres e bispos pedófilos praticada por João Paulo II e Ratzinger (mais do que Bento XVI),  acabar com a discriminação sexual, de género e homofóbica. Bento XVI teve o desplante de ler na mensagem para o Dia Mundial da Paz que "o casamento homossexual, a par do aborto e da eutanásia,  é uma ferida grave infligida à Justiça e á Paz". A discriminação dos homossexuais é que ameaça a justiça e a paz, já que é uma violação dos Direitos Humanos,  conforme considera a Amnistia Internacional desde 1991.

A história dos papas é que é uma ferida grave na Igreja Católica. Basta ler, entre muitos outros, os livros "Os Papas e o Sexo" de Eric Frattini, ou "A História Negra dos Papas - Perversões, Assassínios e Corrupção",  de Brenda Ralph Lewis:  luxo, ostentação, orgias, amantes, filhos a rodos, violação de crianças, jovens e mulheres, incluindo freiras , incestos, sodomização de animais, criação de bordeis, pedofilia, assassinatos (como o de João Paulo I, ao fim de 33 dias, por querer investigar a corrupção no Banco do Vaticano, dirigido pelo Cardeal Marcinkus, com ligações à Mafia), eis o curriculum vitae de uma longa lista de papas, alguns banidos da história oficial da Igreja Católica, outros, porém, que chegaram a ser canonizados.

Ousará o papa Francisco  trocar a protecção de padres ultra-reaccionários e fundamentalistas, apoiantes das ditaduras mais criminosas do mundo, como Monsenhor Lefebre (que Ratzinger reintegrou) pelo apoio aos padres e teólogos progressistas excluídos por João Paulo II e Bento XVI, como Hans Kung, Garry Wills, Ernesto Cardenal, Frei Betto e todos os  da Teologia da Libertação, que na América Latina se empenham na emancipação social dos mais pobres?

Ou será mais fácil Cristo descer à Terra do que achar um Papa cristão?  Pelo menos o Cristo em que eu acreditei até à adolescência, o que cresceu do menino Jesus de Alberto Caeiro que dizia que "Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica", se descesse à Terra começaria  por expulsar os vendilhões do Vaticano e abolir o papado.

 

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