O bordado Madeira nunca foi valorizado enquanto arte Versão para impressão
Quarta, 20 Fevereiro 2013

Azulejo bordadeirasDiz quem estudou a história deste sector que o bordado existe na Madeira desde que a mesma foi colonizada. As primeiras senhoras que para cá vieram trouxeram consigo os saberes que existiam nas zonas do Continente de onde provinham e pensa-se que foram os bordados de Viana do Castelo, que ainda hoje existem, que influenciaram os primeiros bordados que começaram a ser feitos na Ilha.

Claro que nos primeiros tempos, foram só as senhoras da classe mais alta que bordavam para passar o tempo, até que a tradição foi passando para as outras mulheres, que começaram a bordar para o seu enxoval ou então para presentearem parentes, até que mais tarde, e já no século XVIII, o bordado começou a ser comercializado.

Desde sempre as mulheres madeirenses mostraram muita aptidão para este trabalho, bordando finos tecidos com uma perícia e uma qualidade como não se via em nenhum outro lugar do País, e talvez do mundo, embora a arte de bordar tivesse começado há muitos séculos na idade média no Médio Oriente, no Oriente e mesmo na Rússia. Pensa-se que desde sempre a China foi um dos países pioneiros nesta arte. Também na Europa o bordado era muito considerado para adornar a ouro os trages, particularmente os litúrgicos.

Muitos dos bordados que eram executados na Madeira iam passando de geração para geração, porque muitas das peças eram pouco utilizadas e duravam muito tempo. Eram peças de vestuário feminino, toalhas de mesa, jogos de cama e outras peças decorativas executadas em tecidos de linho, organdy, algodão e seda. Estes ricos trabalhos iam ficando em circuito familiar muito fechado e nem eram do conhecimento público, não faziam parte do conseito de trabalho.

Diz-se que a sua descoberta como possível fonte de rendimento deu-se em Abril de 1850 numa exposição das indústrias madeirenses organizada pelo Governador civil da época, José Silvestre Ribeiro. O sucesso dessa exposição foi muito importante porque despertou o interesse dos muitos estrangeiros que já nessa altura nos visitavam, particularmente dos Britânicos, que convidaram a Madeira a estar presente numa exposição Universal em Londres, onde as peças bordadas foram expostas.

Mais tarde a partir de 1854, começaram a surgir as primeira exportações de bordados, por iniciativa duma Senhora Inglesa, Miss Elizabeth Phelps, que foi uma grande impulsionadora da venda do nosso bordado no exterior, como também do ensino do mesmo às jovens desde a mais tenrra idade, tendo impulsionado uma escola onde foram ensinadas as técnicas do bordado inglês, o que influenciou em muito o bordado até os dias de hoje.

Até há bem pouco tempo pensava-se que tinha sido esta senhora que tinha trazido o bordado para a Madeira mas na realidade ela apenas influenciou a sua valorização comercial e trabalhou para que o mesmo passasse a ser uma tarefa para o máximo de mulheres que até a data estavam mais ligadas à agricultura.

Nos primeiros anos os exportadores de bordados da Madeira compravam directamente às bordadeiras, que bordavam nas suas casas segundo as suas próprias criações, mas a partir de 1890 deu-se uma grande alteração, porque esses mesmos compradores passaram a intervir no processo produtivo, dando às bordadeiras o tecido já com os desenhos estampados. Foi aí que nasceram as chamadas Casas de Bordados e a rede de agentes que distribuiam os bordados às bordadeiras e depois iam recolhê-los e levá-los novamente para as Casas de Bordados.

Nas Casas de Bordados eram feitos os desenhos pelo criador de originais que eram desenhados em papel vegetal, depois eram picotados por um máquina de picotar que seguia fielmente o desenho passando a seguir para a estampadeira onde as operárias usavam anil e petróleo e passavam o desenho para os tecidos. Depois os panos seguiam para a bordadeira e quando voltavam às Casas eram lavados e engomados por operárias especializadas e ficavam prontos para exportar.

Os Ingleses foram dos primeiros a intervir em todo este processo produtivo mas os Alemães tiveram um papel muito importante que só foi interrompido com a primeira guerra mundial por razões políticas.A partir daí foram os Sírios que assumiram o comando dos negócios dos bordados.Chegaram a existir 103 casas de bordados embora algumas não tivessem grande movimento financeiro.

Existem relatórios oficiais que dizem que em 1950 existiam 70 mil bordadeiras que representavam 21% da população. Isto sem contar com as cerca de 3000 pessoas que trabalhavam nas chamadas Casas de Bordados, mais tarde, e bem, tratadas como Empresas.

O pagamento à bordadeira até determinada altura, meados dos anos vinte do século passado, era pago a palmo até que foi introduzido o curvímetro, fazendo-se a contagem de maneira mais industrial e passando o trabalho a ser pago por pontos industriais.

Desde sempre a bordadeira foi muito mal paga e já em 1863 era considerada a mais mal paga de todas as actividades existentes. E mesmo os/as trabalhadores/as das Empresas também eram muito mal pagos/as e muito mal considerados/as, particularmente as mulheres, pelo facto de trabalharem fora de casa, situação essa que só se alterou profundamente após o 25 de Abril de 1974.

Desde sempre que escritores, poetas e turistas falaram da bordadeira como a que tinha as mais belas mãos "de fada" do mundo, por executar trabalhos tão belos e delicados. Mas a maior parte delas tinham mãos calosas e rugadas, pois para além de bordar também trabalhavam na terra que lhes dava o sustento, sobretudo quando os homens começaram a emigrar para procurarem melhores condições de vida que na sua terra não encontravam.

Muitas mulheres, talvez mesmo a maioria das madeirenses, eram mães sem quaisquer direitos, eram agricultoras para sustentar a família e eram bordadeiras, muitas vezes à noite, bordando à luz de um candeeiro de petróleo até que os olhos ficassem cansados. Muitas meninas de tenrra idade ajudavam as mães nos bordados fazendo os trabalhos mais fáceis. Era assim que as bordadeiras aprendiam a arte de bordar e muitas começaram aos 6 e 7 anos de idade.

Quando acontece o 25 de Abril em Portugal era este o quadro dum sector, que já era considerado indústria, mas que pagava aos seus trabalhadores salários muito baixos, sem garantia de trabalho e sem protecção social para as bordadeiras, que continuavam a ser o suporte fundamental do sector.

Entretanto iniciam-se mudanças profundas em Portugal que levaram que ao longo dos últimos 30 anos o sector tivesse perdido muita da importância que tinha tido nos dois últimos séculos.

Mesmo assim foi neste período que as bordadeiras passaram a ser mais dignificadas com uma protecção social que é única no mundo para trabalhadores domiciliários. Passaram a estar protegidas na saúde, na maternidade, no desemprego e na reforma. São mesmo dos poucos trabalhadores deste País que têm uma lei própria para se poderem reformar aos 60 anos de idade.

As pessoas que trabalham nas Empresas passaram a ser tratadas como trabalhadoras com um Contrato Colectivo de Trabalho onde viram consagrados direitos idênticos aos outros trabalhadores da Indústria.

Tudo isto foi possivel graças a uma grande participação destas trabalhadoras, das Empresas e das bordadeiras, no seu sindicato que foi fundamental para conseguirem mudar a sua situação.

Hoje o sector está muito reduzido. Muitas empresas foram fechando e muitas mulheres mudaram de emprego para outros sectores qe entretanto começaram a ter maior peso na economia da Região como a Hotelaria, a Função Pública e o Comércio.

Mesmo assim ainda restam cerca de 2000 bordadeiras e 300 pessoas a trabalhar em cerca de 10 Empresas de pequena dimensão. Infelizmente não se vislumbram medidas que salvaguardem a continuação do Bordado em termos futuros, embora esta arte represente muita da tradição que envolveram as mulheres até os dias de hoje. Podemos afirmar que a sua valorização enquanto Arte nunca foi reconhecida.

Guida Vieira

 

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