Crimes de honra Versão para impressão
Terça, 13 Novembro 2012

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Banaz Mahmod. Provavelmente nunca ouviram falar dela. Banaz tinha 16 anos quando a sua família, refugiados curdos a viver no Reino Unido, a forçou a casar com um membro da sua tribo. Durante três anos foi agredida, violada e humilhada pelo seu marido, dez anos mais velho, com o consentimento da sua família. Um dia, teve a ousadia de se querer separar e fugiu para casa da sua família onde pensava que seria protegida. A pressão para voltar para o seu casamento era enorme, mas Banaz sabia que desta vez não cederia, não voltaria. Entretanto, na doçura dos seus 19 anos apaixona-se por um por um jovem, também curdo, mas de outra tribo. Decidem namorar em segredo, sabem os perigos que correm se forem vistos, mas na outra ponta da cidade, no meio de dez milhões de habitantes, são vistos por um dos membros da sua comunidade. E pesadelo começa novamente... O concelho da comunidade reúne-se e o pai e tio de Banaz decidem que esta tem de morrer para lavar a honra da família.

Banaz foi cinco vezes á policia contar a sua história, nunca foi levada a sério. O namorado sofreu uma tentativa de rapto, ela sofreu uma primeira tentativa de homicídio que a levou ao hospital...a policia pensou que se tratava de uma jovem alcoolizada com vergonha de voltar a casa. Banaz foi violada e depois estrangulada por três homens da sua comunidade com a ajuda e consentimento do seu pai.
Hatun Sürücü. Provavelmente nunca ouviram falar dela. Hatun tinha 16 anos quando a sua família, curdos sunitas emigrados na Alemanha, a forçou a casar com um primo em Istambul. Hatun teve a ousadia de querer separar-se, de querer ser feliz. Fugiu para a Alemanha, para a segurança de uma casa abrigo onde podia criar o filho e estudar. Optou por um estilo de vida ocidental. Aliciada pela tentativa de reaproximação á família, aceitou encontrar-se com o seu irmão que a matou calmamente no meio de uma rua de Berlim. “Manchaste a honra da família” foram as ultimas palavras que ouviu.
Maria (nome fictício). Talvez tenham ouvido falar dela nas noticias. Tinha 11 anos quando a raptaram dos pais adoptivos, em Santa Maria da Feira, pelo pretenso noivo e familiares deste e depois foi obrigada a casar-se em Montemor-o-Velho, tendo sido submetida ao teste da virgindade, um ritual cigano em que a noiva é colocada sobre um lençol e uma matriarca lhe rasga o hímen.
O que tem em comum Banaz, Hatun e Maria? Foram vitimas de casamentos forçados e de crimes de honra (ou Honour Based Violence, o termo em inglês que define o tipo de violência baseada nestas premissas).
O que torna os crimes de honra tão chocantes é o facto de serem tão premeditados como um assassínio. A realidade é que uma família inteira, mães e irmãs incluídas, ou uma comunidade inteira, se senta à volta de uma mesa e decide calmamente que uma filha ou uma esposa precisa de ser intimidada ou morta. Todos os pormenores são definidos: quem será o assassino, onde e como será morta e como é que se verão livres do cadáver.


Embora este tipo de violência inclua quase sempre violência doméstica, o que diferencia este crime e tipo de violência do crime de violência doméstica é a multiplicidade de agressores e agressoras. Os crimes são cometidos para proteger ou defender a honra da família ou comunidade, que acredita que a vitima não respeita os valores e crenças da sua cultura. Atos como relacionar-se com rapazes ou raparigas de outra cultura ou religião, fugir de um casamento forçado, usar roupas ou participar em atividades não tradicionais para determinada cultura são o suficiente para desencadear este tipo de crime.
Os ataques mais comuns deste tipo de crime incluem ameaças, raptos, ataques com ácido, espancamentos e agressões, casamento forçado, mutilação e homicídio.
Os crimes de honra não tem a ver com religião mas sim com tradições antiquadas e com a violação dos direitos das mulheres, têm a ver com a duplicidade de critérios e expectativas face aos géneros. Embora grande parte dos crimes de honra aconteçam nas comunidades cristã copta, cigana, sikh, hindu e islâmica, também podem ser comummente detectados no Médio Oriente, África, Europa do Leste e Sul.
Mas o que Banaz, Hatun e Maria não têm em comum?
O homicídio de Banaz Mohmod desencadeou uma serie de respostas das autoridades britânicas, depois da policia ter assumido a sua quota de responsabilidade no assassínio da jovem. As organizações de apoio á Violência doméstica foram reestruturadas, o seu pessoal recebeu formação para reconhecer os sinais deste tipo de crime assim como os/as assistentes sociais, psicólogos/as e advogados, as Unidades de Violência Doméstica da Policia foram reestruturadas e dotadas de meios e pessoal especializado. Foi criada uma ferramenta para ajudar a detetar os crime de honra nos primeiros contactos com a vitima e uma forma de trabalhar em multi-agência (sistema MARAC).
A morte de Hatun também provocou uma serie de mudanças na Alemanha. A batalha contra os crimes de honra começou a ser travada em três frentes: através da proteção, através da acusação e através da mudança de paradigma dentro das comunidades onde se verificam estes crimes. Foram criadas casas de abrigo especializadas para estas vitimas, professores/as, técnicos/as sociais, psicólogos/as e policia foram formados para reconhecer os sinais dos crimes de honra, as organizações foram para o terreno treinar jovens do sexo masculino para irem às escolas, às faculdades e aos centros de ocupação de tempos livres mostrar aos seus pares que há alternativas no que toca a direitos humanos, democracia, sexualidade, virgindade e igualdade de género.
O rapto de Maria não provocou nada. Rigorosamente nada! Dizem que é sempre negado pelos ciganos a prática de casamentos forçados, não se sabe se existem e depois há "a dificuldade" em detetar situações desta natureza, porque nunca foi abordado em profundidade.
Em Portugal, país de brandos costumes, a comunidade Africana ocupa o segundo lugar nas maiores comunidades de imigrantes presentes em Portugal. Embora maioritariamente provenientes dos PALOP, nos últimos anos assistimos ao aumento do fluxo de emigrantes Marroquinos e da Guiné - Bissau, maioritariamente mulçumanos. Sabemos também da forte presença de emigrantes do leste europeu, assim como da presença de comunidades indianas e asiáticas. Sabemos ainda da presença das comunidades ciganas.
Mas o que fizemos para prevenir este tipo de violência? Nada. Não há números, não há dados, não há um organismo,não há nada a não ser boa vontade de organizações de defesa dos direitos da mulher.
Portugal encolhe os ombros e pensa que os crimes de honra são problemas dos outros, mas é fundamental ter presente o aviso de Eduardo Grutzky, que dirige o Projeto SHIELDS, sediado em Estocolmo e que ajuda assistentes sociais e professores a falarem sobre os crimes de honra com jovens de todas as culturas. «Temos que mentalizar todos os estratos sociais de que este não é um problema dos imigrantes. É um problema nosso.»
Podemos pensar que criticar esta tradição constitui uma forma de intolerância e de desrespeito pela diversidade cultural, mas o que é realmente intolerável é o desrespeito pelo mais elementar direito das mulheres a uma vida livre de violência.

 

Vânia Martins

 

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