Um motim colossal Versão para impressão
Terça, 16 Agosto 2011

eua_baralho_de_cartasA semana passada foi para mim uma das mais insólitas dos últimos tempos. Em primeiro lugar porque os motins de Londres começaram com a minha chegada e acabaram com a minha saída (!?) e, em segundo, lugar porque – pela primeira vez que me lembre – uma agência de notação decidiu baixar o rating do centro do império, corolário de uma crise sobre o défice. Sobre Londres tentarei alinhar umas ideias na revista que em breve sairá, por ora fico-me em Washington.

É consensual dizermos que os governos estão a privilegiar o capital financeiro e que este marca o alinhamento das opções políticas mundiais. Todos conhecemos o nascer e o desenrolar desta primeira crise realmente global no sistema capitalista, mas assistirmos ao desenrolar de uma crise parlamentar sobre a negociação dos défices do país centro do império mundial, como se nem de um país do G20 se trata-se, é coisa que parecia impensável; acresce a descida de notação emitida pela  Standard & Poor`s, uma subsidiária da americaníssima McGraw-Hill Companies. A menos que existam conflitualidades muito fortes e desconhecidas entre Obama e os interesses de McGraw III, nomeadamente nas áreas editoriais e de educação, será caso para dizer que o imperialismo financeirizado começou a tomar do seu próprio veneno.

O centro do império está decaindo, o seu défice está em 9,6%, a sua dívida já passa do 100% do PIB e assume o colossal valor de 14,3 milhões de milhões de dólares (triliões na designação norte-americana). A sua dívida não é alheia à também colossal injecção de capital na banca e à nacionalização de várias empresas em dificuldades. Nem a guerra lhes corre bem, como vimos no Iraque, vemos no Afeganistão e na Líbia; talvez a decisão de iniciar a não declarada nova guerra na Líbia seja mais um sinal de fraqueza, além do mais há quem sustente que o petróleo já passou o pico de exploração e iniciou a fase descendente tornando-se uma matéria prima tendencialmente cada vez mais escassa.

A crise do défice norte-americano foi superada com mais uma viragem à direita de Obama, que nem sequer usou os meios legais à sua disposição para fazer valer a sua posição, cedendo nos direitos sociais nomeadamente nos já frágeis sistemas de saúde e reforçando as posições do Tea Party – a extrema direita é cada vez mais uma solução da burguesia em momentos de crise económica e de poder político.

A crise dos EUA incentivou nova onda especulativa nas bolsas que pareceram descer e subir mais depressa do que a onda sinoidal da corrente alternada. Tudo isto motiva reacções interessantes. Se Paul Krugman já tinha anunciado que o caminho de Obama era o do desastre veio agora Warren Buffett escrever no New York Times que “enquanto as classes baixas e médias lutam por nós no Afeganistão, e enquanto a maior parte dos americanos luta para fazer face às despesas, nós os mega-ricos continuamos a ter isenções fiscais extraordinárias”. De facto, os recentes dados do índice “norte-americano S&P 500 demonstra um acúmulo de 963,3 mil milhões de euros, 58% acima do registado antes do início da crise, no final de 2007, e dez trimestres consecutivos em que as 500 principais empresas dos EUA acrescentam ‘cash' às suas carteiras”.

“Parem de nos acarinhar”, Buffett faz bem em protestar. Nos EUA como na Europa, a máquina do Estado assume-se sem pudor nem descanso como uma máquina de transferência do trabalho para o capital dando grande transparência ao seu papel classista. Na Europa pululam dirigentes desorientados mostrando como a profundidade da crise afecta as classes dirigentes. Ao menor sinal de ataque especulativo os governos decidem imediatas medidas de retirada de serviços públicos e do trabalho; os governos estão prisioneiros de um sistema de dívida criada e desenvolvida ao serviço burguesia financeira e da destruição do papel social do Estado.

A subserviência total do Estado, enquanto instituição central do regime capitalista, à finança é uma marca indelével que mostra uma nova fase do imperialismo global. A finança assumiu o predomínio sobre a indústria e determina as opções governativas à escala global. As tão prometidas medidas de controlo dos movimentos especulativos nunca saíram do papel ou são praticamente inócuas; no pequeno pânico que se gerou recentemente o mais que os bancos centrais e os governos conseguiram fazer foi suspender por 15 dias as vendas a descoberto.

Os fantasmas que agora assustam a Europa chamam-se défice e dívida. Dois em um de um ataque global que foi assumido suicidariamente pelos partidos da Internacional Socialista, parceiros minoritários ou aliados à direita nalguns países, com o PASOK na Grécia e o PSOE em Espanha, a fazer o que todos conhecem e com os dias contados. Cortar forte é a palavra de ordem na Irlanda, Grécia, Portugal, Espanha, Itália, França, Inglaterra e até Alemanha; interessante, deixou de se falar na Islândia. O combate ao Estado gordo, a saída da crise pela redução da despesa é mais uma batalha ideológica que está a ser ganha pela burguesia na Europa e em Portugal. Assim se omite a não penalização da burguesia e se ganha mais espaço para privatizações a preços de saldo. Chame-se Buffett!

Por cá, o governo PSD/CDS decidiu aprofundar o iluminado caminho já iniciado pelo PS: transferir os fundos de pensões dos bancários para o Estado transferindo os seus encargos sociais. Se a curto prazo a receita prevista é de 597 milhões de euros o bolo deve passar a fasquia dos 10 mil milhões – mas assinale-se: é sabido que os donos da banca têm esses fundos sub-financiados em relação aos seus encargos sociais. Até por isto, é pueril o pensamento de que se pode resgatar o PS ao acordo da troika.

Victor Franco

 

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