Correntes, tendências e democracia no Bloco de Esquerda Versão para impressão
Domingo, 17 Julho 2011

O debate plural que tem atravessado o Bloco trouxe ao questionamento alguns dos pilares conceptuais e da linha política que nos permitiu chegar a um dos partidos de esquerda de crescimento mais rápido da Europa. É bom que voltemos a esses pilares porque este partido não é um clube de futebol alienado, a direcção política não é um treinador descartável que passa de bestial a besta na primeira oportunidade e os aderentes não são adeptos irracionais que se disputam pela gritaria mediática.

1. Comecemos pela política.

O Bloco foi determinante para a vitória da despenalização do aborto, para a transformação das mentalidades e a conquista de direitos e um maior respeito pelas lésbicas, homossexuais e transgénero, para um outro olhar sobre as políticas sobre as drogas (…) para o avanço civilizacional em torno dos elementares direitos humanos e individuais. Mas também o foi na luta contra a violência doméstica, na luta dos trabalhadores de turnos e nocturnos, na mediatização e acção contra a precariedade, na introdução novos conceitos sobre democracia nos movimentos sociais e em particular nos sindicatos e CTs… O BE também jogou importante papel na iniciação do europeísmo de esquerda como linha e prática política ou na luta contra as políticas da guerra imperialista e da NATO.

Hoje permanecem fragilidades evidentes: a dificuldade de agenda política em concelhos e reduzida participação em movimentos sociais como por exemplo as Comissões de Trabalhadores.

Tudo isto era “trigo limpo farinha Amparo”? Talvez não se tivermos em conta o capitalismo conservador em que vivemos e o peso da sua ideologia na população portuguesa, o papel subalterno da nossa burguesia no quadro da globalização e da Europa, o peso eleitoral esmagador dos partidos do regime e a forte implantação de um partido “comunista” que faz dos movimentos sociais a sua correia de transmissão, o atraso cultural do nosso povo, a continuidade do refluxo social apenas aqui e ali salpicados por picos de luta que logo se desvaneceram ou o retrocesso generalizado da esquerda na Europa – suicidária naquela que se juntou aos PSs nos governos.

As premissas constituintes, nada esperávamos do PS e não ficávamos à espera do PCP, provaram validade e garantia de futuro. A linha política centrada na luta pelos serviços públicos, os direitos humanos, sociais e dos trabalhadores e na oposição à guerra, foi sucessivamente sufragada nas convenções nacionais, construindo-se tendencialmente uma opinião maioritária e um conjunto nacional de quadros políticos que contribuíram para a estabilidade e o progresso do nosso partido.

2. O conceito de partido.

Quando nos juntámos todos para iniciar a caminhada sabíamos que queríamos um partido democrático, plural mas socialista e aberto à aprendizagem – um partido para este tempo concreto de democracia-capitalista, União Europeia e trabalho complexo e precarizado. Por isso, rejeitámos o conceito militante porque não queríamos um corpo organizado da vanguarda referenciado na disciplina pro-militar e porque a actividade política tem de ser voluntária; rejeitámos o centralismo democrático porque achamos que a opinião deve ser livre, dentro e fora do partido e não usamos delito de opinião; rejeitámos os controleiros e as nomeações porque os dirigentes só o podem ser pela democrática decisão das bases; rejeitámos o monolitismo - herdeiro do stalinismo -, as expulsões por opinião e a proibição de correntes ideológicas porque a pluralidade de opinião é vital à vida democrática e a dialéctica só nos pode fazer evoluir e encontrar sínteses mais avançadas [por isso o Bloco avançou criando consensos e no esgrimir dos argumentos encontrou maiorias]; rejeitámos Comités Centrais propostos pelos anteriores e em lista única como rejeitámos propostas/teses/moções apenas apresentadas pelo Comité/Central porque acreditamos que a linha política deve ser escolhida entre as várias que se apresentam às bases e a direcção política é quem propõe e se responsabiliza pela linha maioritária e democraticamente votada…

Em consequência, as Coordenadoras Concelhias/Distritais/Regionais do BE têm os maiores poderes de todos os outros partidos, não existem quotas para secretários-gerais, jotas, autarcas ou caciques afins, as nossas convenções decidem sobre toda a política do BE e não há “coutadas” para sindicalistas e outros istas, – até porque rejeitámos a corrente sindical do partido -, (…) bastam 20 aderentes para apresentar uma moção à Convenção, o debate é horizontal entre todos e para todos em todo o país, a composição das direcções é directamente proporcional à votação nas listas respectivas, as candidaturas a lugares de representação política são votadas pelos plenários respectivos em voto secreto [em toda a história do BE apenas se registou um conflito entre uma proposta regional e uma decisão nacional] e para alguém ser expulso quase precisa de “assaltar o Banco de Portugal”…

3. Os últimos dias trouxeram ao debate a questão das tendências.

A responsabilidade democrática tem que caber sempre e acima de tudo às decisões individuais e colectivas dos aderentes onde todos contam por igual. A criação e desenvolvimento de tendências – já previstas nos Estatutos e com regulamento próprio já aprovado numa anterior Mesa Nacional - poderá até melhorar o debate plural, a participação de base e a responsabilidade colectiva. Quem decide propor e ou apoiar uma moção à Convenção deve assumir a responsabilidade de propor os dirigentes do partido para aplicar essa moção – seja a que nível for - e colocar essa transparência democrática à votação e escolha de todos os aderentes.

Parece-me que a renovação de dirigentes poderá ser assim mais participada pelos aderentes na livre escolha da sua opinião, reforçando a responsabilidade, rejeitando purgas e depurações, pessoalizações, quotas da corrente A ou B nos órgãos dirigentes, pressões mediáticas externas que são anti-democráticas…

É preciso favorecer a calma e a razão. O BE não é um partido do regime que precisa de mudar de líder para manter a sua ilusão sobre as massas e o rotativismo no poder. Quando escolhemos linhas políticas fazemo-lo em conjunto, se rejeitamos o culto da personalidade também rejeitamos a demonização pessoal como manobra para atacar a linha política que todos escolhemos.

Nenhum aderente poderá ser “obrigado” a pertencer a nenhuma tendência [na prática das sucessivas Convenções já haverá umas quatro] e cada qual deve seguir a sua opinião individual. Democracia total – a nossa referência deve ser o assembleísmo – uma pessoa um voto, eis uma garantia do partido-movimento.

4. Que futuro para as correntes?

Na minha opinião pessoal, isso é um problema delas e dos seus membros. Parece-me que, do ponto de vista do Bloco a perspectiva ideológica, sendo socialista, só pode ter a marca constituinte e indelével da pluralidade. As respostas sobre o futuro da sociedade, da humanidade, do planeta e do socialismo são cada vez mais complexas e desafiadoras; elas partem de referências diferentes, têm olhares diferentes sobre as experiências do socialismo real, o percurso recente e o futuro das classes e da globalização. Também diferenciada é a perspectiva sobre o materialismo ou sobre a filosofia.

Até no PCP, fiel seguidor do monolitismo e do centralismo “democrático”, se exprimem correntes ideológicas diferentes. Vejam-se, por exemplo, os sites resistir.info, odiario.info ou os encontros de Serpa.

O desafio de interpretar o mundo é uma tarefa sempre incumprida; rejeito a atitude reaccionária de tentar cortar a raiz ao pensamento e ao desafio da descoberta ideológica.

O BE até poderá beneficiar da perscruta ideológica que cada corrente, por sua conta e risco, fizer. A pluralidade ideológica até poderá ajudar ao avanço na política.

A superação da lógica / lobby das correntes na “escolha” de lugares leva a que às correntes só reste a ideologia. Cada uma valerá por si. É a vida!

Victor Franco

Publicado no debates do esquerda.net

 

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