A tragédia de Palocci Versão para impressão
Terça, 28 Junho 2011

Palocci

Durou quase um mês a crise desencadeada pelo enriquecimento de Palocci. A decisão do Procurador Geral da República pelo arquivamento de seu processo, não foi suficiente para estancar a corrosão política aberta dentro do governo Dilma. Ao contrário, escancarou sua inexperiência política; o criador não se apercebeu bem, quando concebeu seu engenho, que a criatura era politicamente frágil. Pagou para ver e o vazio político se fez. Tentou minimizar o mal feito enfiando o ex-ministro no centro do comando político do governo Dilma. Sendo a Presidenta-gestora neófita nas artimanhas da política, deu no que deu.

Agora, tenta-se recuperar o que erodiu e assim recompor a articulação política já depauperada antes mesmo dos primeiros seis meses de governo. E vai carregar por um bom tempo as conseqüências desse escândalo, porque os significados do episódio Palocci precisam ser melhor compreendidos.

De duas, uma: se Palocci fez tráfico de influência, basta conhecer a lista dos seus clientes para que a crise se intensifique. Afinal, ele era até um mês atrás, o homem forte do governo. Se as fontes paloccianas estiverem embaralhadas e avolumadas com as verbas da campanha de Dilma, ai a crise também se amplifica, pois deixa de ser o descuido de um ministro descompensado, ainda que muito bem remunerado. E isso para não pensar numa mescla possível entre as duas hipóteses.

Sabemos que Palocci as negou. Nem um centavo da sua recente fortuna, disse, foi oriundo de recursos da campanha. E, num gesto angelical, ao ser perguntado se não estaria ferindo elementos éticos ao emprestar seu nome para empresas privadas, acrescentou que acreditava na boa fé das pessoas...

Curioso, muito curioso. Antes de ser um “consultor” privilegiado do mercado, Ministro da Fazenda e Prefeito de Ribeirão Preto – deixando marcas em todas as paragens - Palocci foi militante de um grupamento de esquerda.

É difícil que não tenha aprendido, então, com um autor que hoje é considerado uma múmia pelo pensamento verdadeiramente mumificado, que a financeirização dos capitais, típica da era dos monopólios, invade de maneira absolutamente inevitável a vida política, sendo cada vez mais frequentes os casos de altos funcionários do estado que mantém “relações perigosas” com o mundo das empresas.

E muitos, em nosso país, tornaram-se banqueiros, alguns inclusive rodopiando lepidamente da luta armada contra a ditadura para a fração mais alta na hierarquia das classes proprietárias. Os exemplos são abundantes, de tal modo que esse pulo do gato se tornou arroz com feijão na ciranda contemporânea que enlaça alta burocracia de estado e os interesses privados que se beneficiam diretamente destas relações.

Detentor de informações sigilosas e privilegiadas, sobre os atalhos das políticas de estado, o ex-alto funcionário é mina rica, cujos “segredos” vende, sob a modalidade de “consultoria”, a preços que o empresariado bem remunera e muito se beneficia.

Mas o caso de Palocci tem certas singularidades. Dono de uma empresa que parece quase fantasma, pois nem sua secretária sabe ao certo dizer o que a dita cuja fazia, o ex-ministro da Fazenda do governo Lula enriqueceu rapidamente.  Mas, porque teria que dar explicações, se tantos outros vivenciaram a mesma empreitada e contas não prestaram?

Primeiro, porque tudo isso tem sabor de vingança.  Palocci está sendo cobrado pelas ações de seu passado mais ou menos recente e que não foram esquecidas. Pede um sigilo que ele, como Ministro da Fazenda, não soube preservar no caso da devassa ao caseiro Francenildo.

Mas há, ainda, uma “outra vingança”: os que foram derrotados nas últimas eleições sabiam que Palocci era um elo frágil (no que concerne ao terreno das éticas e moralidades) dentro da cúpula do governo. E pegá-lo foi mais fácil do que se imaginava, pois ele voltou muito rápido, pelo alto e com a bolsa muito cheia. Voltou, depois de quatro anos de vida dúplice, como um “consultor” hiper-valorizado.

Esteve em posição vital no governo Lula, rolou na crise do mensalão, enriqueceu de modo faceiro sendo parlamentar contido e um “consultor” muito bem sucedido e voltou para adquirir mais “capital político e informacional” que lhe possibilite um novo ciclo posterior de mais bonança. Continua devendo, portanto, mesmo depois de sua demissão, muitas explicações à sociedade.

Lula bem que tentou, escolado pela experiência do mensalão, amenizar o sufoco palaciano, no intervalo de uma de suas tantas ricas palestras de “autoajuda” para os empresários. Aliás, nestas ações de Palocci e Lula, em suas singularidades, talvez tenhamos uma bela fotografia do que se converteu o governo do PT. Com Lula e agora com Dilma.

Ricardo Antunes,

Professor Titular de Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP. É autor, dentre outros livros, de A Desertificação Neoliberal no Brasil e Uma Esquerda Fora do Lugar, ambos publicados pela Ed. Autores Associados.

Artigo também publicado no Estado de S. Paulo

 

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