A solidariedade nacional e os Açores Versão para impressão
Terça, 04 Janeiro 2011

Por solicitação do Senhor Representante da República para a Região Autónoma dos Açores, a Assembleia Legislativa da Região foi chamada a reapreciar a norma do artigo 7º do Decreto que contém o Orçamento para 2011, no seguimento do Veto político que o mesmo lhe mereceu. Igual é dizer que o artigo de toda a discórdia não lhe suscitou dúvidas de inconstitucionalidade porque, a ser tal o caso, teria, certa e legitimamente, solicitado a fiscalização preventiva do mesmo ao Tribunal Constitucional.

 

Em vez disso, o Senhor Representante da República (SRR) exortou os/as Deputados/as regionais a “eliminar, pura e simplesmente, o articulado do referido artigo” – o qual cria uma remuneração compensatória igual ao montante da redução efectuada, por via do Orçamento de Estado (OE), para os trabalhadores da Administração Regional, cujas remunerações mensais se situem entre 1.500 e 2.000 euros -, sob pena de, não o fazendo, estarem a insistir numa medida “discriminatória e profundamente injusta, se não mesmo de incompreensível egoísmo”.

O Bloco de Esquerda/Açores não respondeu à chamada do SRR. Mas sim, fez-lhe a graça de não argumentar – por desnecessário e evidente -, nem com a “penosidade do trabalho nos Açores”, nem com o “isolamento”, nem com a “onerosidade que a distância agrava”, nem sequer com os “inegáveis custos e sacrifícios da insularidade”. Mais difícil foi não sucumbir à tentação de manifestar a mais profunda estranheza pelo facto deste Veto vir de quem, há pouco mais de um mês, admitia que a extinção do seu cargo político (e independentemente de quem viesse a assumir as suas competências…) seria a expressão de “uma caminhada da Autonomia”. Pelos vistos, caminhar sim, mas devagarinho e, sobretudo, sem divergir do caminho projectado a nível nacional. Acontece, porém, que se a divergência – esta divergência, em concreto – for entendida como violação dos princípios de igualdade, solidariedade e coesão nacionais, a Autonomia não terá caminho porque não tem, sequer, existência ou razão de ser.

Mas argumentemos, então, sem “a queixa e o lamento de séculos”, como pede o SRR. Comecemos por uma luminosa frase de Bertolt Brecht: “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o oprimem”. Ou seja: uma medida que pretende compensar (tímida e incompletamente, embora) os cortes salariais impostos pelo OE para todos os funcionários públicos é, muito provavelmente, ou indubitavelmente (depende dos analistas) inconstitucional ou, no mínimo, altamente perturbadora da paz social; mas a medida que rouba, definitivamente, a quem trabalha (e “é preciso recuar quase um século para encontrar cortes salariais desta natureza e dimensão”, como bem recorda SRR), uma fatia substancial do seu salário, sem apelo, sem agravo, nem negociação, não viola (na douta opinião dos mesmos analistas) os preceitos constitucionais, nem as leis laborais, nem sequer os princípios basilares do Estado de Direito.

E esta contradição é que é, verdadeiramente, extraordinária! Porque o Veto político sobre o qual nos pronunciámos tem, claramente, uma leitura, também ela política: Cavaco Silva está a dizer ‘sim’ ao corte dos salários dos/as portugueses/as, concordando, sem dúvidas (como, aliás, é seu timbre) com as medidas de austeridade de José Sócrates.

E não admite – quiçá, por um “centralismo cego e anacrónico”, na feliz expressão de SRR – que nenhum funcionário público, em Portugal, deixe de pagar, com a degradação do seu salário, a crise de que não é responsável. Temos, portanto, uma medida de duas cabeças: Cavaco Silva e José Sócrates. O centralismo que nos ameaça é este: o dos interesses. Os interesses que tiram 1.000 milhões de euros aos salários, 1.000 milhões de euros aos apoios sociais, 500 milhões de euros à Saúde – porque “ninguém pode eximir-se aos sacrifícios decididos(…)como necessários e adequados”, citando SRR – mas que, ao mesmo tempo, recusam o aumento de IRS em 1,5% para as mais-valias, permitem a antecipação de dividendos por parte de empresas para escaparem aos respectivos impostos e põem os portugueses a pagar uma factura de mais de 5 mil milhões de euros no BPN, financiando uma gigantesca fraude que ainda não sabemos quem fez, porquê e quanto ganhou. Mas sabemos, isso sim, que o valor envolvido neste buraco financeiro pagaria grande parte das medidas de austeridade aprovadas no OE, nomeadamente, cortes nas prestações sociais, salários e reformas. E tudo isto, sem terem que “se esconder atrás da bruma para não sentirem as dores dos vizinhos” – na prosa poética de SRR -, porque (como diria Brecht) “Para quem tem uma boa posição social, falar de comida é coisa baixa. É compreensível: eles já comeram”.

Portanto, sejamos claros: a solidariedade nacional que, tantos, nos acusam de subverter resume-se, afinal, a isto: pagarás com o teu salário aquilo que o Governo da República paga a quem especula contra a nossa economia. E a medida “injusta e discriminatória”, prevista no já célebre artigo 7º do Orçamento dos Açores, só é uma “afronta” para quem não admite que alguns – e ainda assim, demasiado poucos – funcionários públicos do nosso País possam ser aliviados da “catástrofe nacional”, cujos verdadeiros responsáveis são tão acarinhados e perdoados – à vez ou em simultâneo -, por Cavaco Silva e José Sócrates.

A prova do tamanho da malfeitoria imposta pelo Governo da República está no facto de Carlos César, presidente de um governo de igual cor partidária e, ele próprio, dirigente nacional e regional do mesmo partido, ter decidido boicotá-la. Apesar de ter aprovado e elogiado o Orçamento de Estado que a impõe – profunda contradição que ainda não foi capaz de explicar.

Zuraida Soares

 

Por solicitação do Senhor Representante da República para a Região Autónoma dos Açores, a Assembleia Legislativa da Região foi chamada a reapreciar a norma do artigo 7º do Decreto que contém o Orçamento para 2011, no seguimento do Veto político que o mesmo lhe mereceu. Igual é dizer que o artigo de toda a discórdia não lhe suscitou dúvidas de inconstitucionalidade porque, a ser tal o caso, teria, certa e legitimamente, solicitado a fiscalização preventiva do mesmo ao Tribunal Constitucional.

Em vez disso, o Senhor Representante da República (SRR) exortou os/as Deputados/as regionais a “eliminar, pura e simplesmente, o articulado do referido artigo” – o qual cria uma remuneração compensatória igual ao montante da redução efectuada, por via do Orçamento de Estado (OE), para os trabalhadores da Administração Regional, cujas remunerações mensais se situem entre 1.500 e 2.000 euros -, sob pena de, não o fazendo, estarem a insistir numa medida “discriminatória e profundamente injusta, se não mesmo de incompreensível egoísmo”.

O Bloco de Esquerda/Açores não respondeu à chamada do SRR. Mas sim, fez-lhe a graça de não argumentar – por desnecessário e evidente -, nem com a “penosidade do trabalho nos Açores”, nem com o “isolamento”, nem com a “onerosidade que a distância agrava”, nem sequer com os “inegáveis custos e sacrifícios da insularidade”. Mais difícil foi não sucumbir à tentação de manifestar a mais profunda estranheza pelo facto deste Veto vir de quem, há pouco mais de um mês, admitia que a extinção do seu cargo político (e independentemente de quem viesse a assumir as suas competências…) seria a expressão de “uma caminhada da Autonomia”. Pelos vistos, caminhar sim, mas devagarinho e, sobretudo, sem divergir do caminho projectado a nível nacional. Acontece, porém, que se a divergência – esta divergência, em concreto – for entendida como violação dos princípios de igualdade, solidariedade e coesão nacionais, a Autonomia não terá caminho porque não tem, sequer, existência ou razão de ser.

Mas argumentemos, então, sem “a queixa e o lamento de séculos”, como pede o SRR. Comecemos por uma luminosa frase de Bertolt Brecht: “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o oprimem”. Ou seja: uma medida que pretende compensar (tímida e incompletamente, embora) os cortes salariais impostos pelo OE para todos os funcionários públicos é, muito provavelmente, ou indubitavelmente (depende dos analistas) inconstitucional ou, no mínimo, altamente perturbadora da paz social; mas a medida que rouba, definitivamente, a quem trabalha (e “é preciso recuar quase um século para encontrar cortes salariais desta natureza e dimensão”, como bem recorda SRR), uma fatia substancial do seu salário, sem apelo, sem agravo, nem negociação, não viola (na douta opinião dos mesmos analistas) os preceitos constitucionais, nem as leis laborais, nem sequer os princípios basilares do Estado de Direito.

E esta contradição é que é, verdadeiramente, extraordinária! Porque o Veto político sobre o qual nos pronunciámos tem, claramente, uma leitura, também ela política: Cavaco Silva está a dizer ‘sim’ ao corte dos salários dos/as portugueses/as, concordando, sem dúvidas (como, aliás, é seu timbre) com as medidas de austeridade de José Sócrates. E não admite – quiçá, por um “centralismo cego e anacrónico”, na feliz expressão de SRR – que nenhum funcionário público, em Portugal, deixe de pagar, com a degradação do seu salário, a crise de que não é responsável. Temos, portanto, uma medida de duas cabeças: Cavaco Silva e José Sócrates.

O centralismo que nos ameaça é este: o dos interesses. Os interesses que tiram 1.000 milhões de euros aos salários, 1.000 milhões de euros aos apoios sociais, 500 milhões de euros à Saúde – porque “ninguém pode eximir-se aos sacrifícios decididos(…)como necessários e adequados”, citando SRR – mas que, ao mesmo tempo, recusam o aumento de IRS em 1,5% para as mais-valias, permitem a antecipação de dividendos por parte de empresas para escaparem aos respectivos impostos e põem os portugueses a pagar uma factura de mais de 5 mil milhões de euros no BPN, financiando uma gigantesca fraude que ainda não sabemos quem fez, porquê e quanto ganhou. Mas sabemos, isso sim, que o valor envolvido neste buraco financeiro pagaria grande parte das medidas de austeridade aprovadas no OE, nomeadamente, cortes nas prestações sociais, salários e reformas. E tudo isto, sem terem que “se esconder atrás da bruma para não sentirem as dores dos vizinhos” – na prosa poética de SRR -, porque (como diria Brecht) “Para quem tem uma boa posição social, falar de comida é coisa baixa. É compreensível: eles já comeram”.

Portanto, sejamos claros: a solidariedade nacional que, tantos, nos acusam de subverter resume-se, afinal, a isto: pagarás com o teu salário aquilo que o Governo da República paga a quem especula contra a nossa economia. E a medida “injusta e discriminatória”, prevista no já célebre artigo 7º do Orçamento dos Açores, só é uma “afronta” para quem não admite que alguns – e ainda assim, demasiado poucos – funcionários públicos do nosso País possam ser aliviados da “catástrofe nacional”, cujos verdadeiros responsáveis são tão acarinhados e perdoados – à vez ou em simultâneo -, por Cavaco Silva e José Sócrates.

A prova do tamanho da malfeitoria imposta pelo Governo da República está no facto de Carlos César, presidente de um governo de igual cor partidária e, ele próprio, dirigente nacional e regional do mesmo partido, ter decidido boicotá-la. Apesar de ter aprovado e elogiado o Orçamento de Estado que a impõe – profunda contradição que ainda não foi capaz de explicar.

Zuraida Soares

 

 

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