Privatizações: as razões que a razão desconhece Versão para impressão
Domingo, 02 Outubro 2011

ilustrao do artigo de ana cansado

As premissas das quais partimos para perceber a fúria privatizadora do governo PSD/CDS levam-nos a concluir que optar pela privatização é uma opção prejudicial para os portugueses, que coloca o Estado Português em piores condições para sair da crise e que certamente será pouco rentável.

As soluções danosas acordadas entre o PS e a Troika são entusiasticamente aplicadas pelo governo do PSD. A tão desejada “ajuda” - que ainda não serviu para ajudar a economia portuguesa a desenvolver-se nem para diminuir o desemprego em Portugal - está a sair muito cara aos contribuintes. Passos Coelho e os membros do seu governo parecem empenhados em ser mais austeros que a Troika mas não pensemos que esta dedicação passa por impor a austeridade a todos. O plano de Passos Coelho é claro: taxar os mais pobres, cortar nos direitos sociais e vender o que resta do património do Estado.

O governo português prepara-se assim para vender as suas participações nas empresas estratégicas onde ainda tem algum controlo. Estas empresas, por serem estratégicas, têm sido públicas ou, quando já se iniciou a sua privatização, têm preservado a presença do Estado. Estas empresas correspondem a monopólios naturais, 'utilities' ou outras áreas onde o interesse público é evidente ou onde se podem levantar questões de segurança. Apesar disto, e por ordem de Passos Coelho, Portugal vai vender a sua participação nas empresas estatais consideradas estratégicas: Águas de Portugal, EDP, REN, GALP, TAP, ANA, CPCARGA, CTT e ainda a RTP, a LUSA e os Seguros da CGD.

 

Monopólios naturais, 'utilities' e outras áreas de interesse público

Grande parte das empresas estatais consideradas estratégicas que estão na lista de privatizações do governo são monopólios naturais. Segundo Francisco Louçã e José Castro Caldas “Há actividades que se caracterizam por apresentarem custos médios e marginais sempre decrescentes, isto é, por terem rendimentos crescentes à escala. É o que se passa por exemplo com os caminhos-de-ferro ou as redes de distribuição de energia. Estas actividades requerem grandes investimentos infra-estruturais mas depois disso os custos adicionais de produção são baixos ou praticamente  nulos. Isto quer dizer que os custos médios e marginais podem ir diminuindo sempre, à medida que a produção e a oferta da empresa aumentam. Nestes casos, uma empresa maior terá sempre vantagem a empresas mais pequenas. A concorrência ditaria como resultado inevitável (“natural”) a sobrevivência da maior delas e o colapso das restantes. Daí a designação de monopólio natural para esta situação”1

As 'utilities' são as empresas que asseguram a produção, transporte, distribuição e comercialização de electricidade, gás e água. Não sendo consideradas por todos os economistas monopólios naturais são no entanto tidas como bens e serviços essenciais pelo que é expectável a sua disponibilização a todas as pessoas a um preço razoável. As 'utilities' não são apenas empresas públicas mas uma vez que é evidente o seu interesse público este sector é regulado e o Estado exerce algum controlo e supervisão sobre as empresas privadas que operam no sector.

Outros sectores têm também uma grande importância no domínio do interesse público mesmo que este pareça menos evidente. Por exemplo um sistema postal privado não tem como prioridade o bem-estar das populações mas sim a eficiência da gestão pelo que não prestaria serviço em certas áreas onde a margem para o lucro não é atractiva, no entanto, as pessoas que moram nestas áreas têm o direito de usufruir destes serviços daí a importância de um serviço postal público que utilize as mais-valias obtidas em determinadas zonas para garantir a universalidade do serviço. Do mesmo modo a televisão pública é a garantia de um serviço público de televisão que não limita a sua programação aos interesses privados mas garante informação plural e de qualidade assim como entretenimento diversificado. E muitos são os exemplos que encontraríamos para não aconselhar a venda de cada uma das empresas que o governo pretende alienar.

As experiências de privatização de monopólios naturais e de supervisão das empresas que operam no sector das 'utilities' mas também dos transportes, das telecomunicações e da televisão por exemplo não têm tido resultados positivos. Como já vimos a condição de monopólio natural não permite a concorrência e a sua privatização ou concessão a interesses privados tem resultado na transferência de uma renda para o sector privado que contribuía para o orçamento do Estado. A necessidade de regulação e supervisão traz novos custos para o Estado que não tem garantido transparência económica nem maior eficiência destes sectores.

Para além da diminuição das receitas orçamentais outro ponto negativo está directamente ligado com os direitos das pessoas. Como já vimos a presença do Estado nestes sectores é a única garantia da universalidade de acesso a estes serviços com qualidade e a um preço razoável uma vez que as regras do mercado que priorizam o lucro são contrárias aos interesses dos contribuintes. Voltemos a pensar na água como exemplo da importância que estes monopólios naturais têm para as pessoas e daí a necessidade de preservar o controlo estatal nestes sectores.

As questões relacionadas com a segurança do Estado e das populações também são relevantes quando se pensa em privatizar sectores estratégicos. As decisões relativas à distribuição de bens essenciais, à divulgação de informação e até à circulação por terra ou por ar ficariam na mão de interesses privados uma vez que o Estado ficaria arredado do processo de tomada de decisão destas empresas. Em última instância, assuntos relevantes, senão determinantes, para a sociedade e para a economia seriam tomados em centros de decisão que podem não conhecer a realidade nacional e certamente não terão como principal interesse a melhoria da economia portuguesa e o bem-estar dos portugueses.

Se pensarmos ainda no actual clima económico, em que o poder negocial do Estado é reduzido, não é possível perceber a urgência em privatizar estas empresas uma vez que os potenciais investidores não serão portugueses dada a falta de financiamento às empresas portuguesas e o preço oferecido por eventuais investidores estrangeiros também não será o mais interessante dada a crise internacional.

 

Opções Europeias

A eficiência económica, o serviço à população e a crise financeira contrariam a opção pela privatização tomada por Passos Coelho. Para perceber esta opção importa então olhar para outros países europeus para perceber se esta tendência de privatização é geral e a conformidade com os outros estados-membros torna avisada a política do governo português.

Comecemos por ver a opção de Espanha relativamente a alguns dos sectores que Portugal vai privatizar. O Estado espanhol detém 100% da Rádio e Televisão de Espanha (RTVE), dos correios (Correos), dos Aeroportos de Espanha (AENA), da empresa Administração de Infra-estruturas Ferroviárias (ADIF) e da rede nacional de caminhos-de-ferro (RENFE) e detém ainda 20% de participação na Rede Eléctrica Espanhola e 5% da Companhia Nacional de Gás (ENAGAS).

Em Itália o Estado também detém 100% da Rádio e Televisão (RAI), dos correios (Poste Italiane) e da rede nacional de caminhos-de-ferro (Ferrovia dello Stato). Após a privatização da ENI, uma das maiores empresas do sector energético, o Estado manteve 30% de participação na empresa e detém ainda 31% da ENEL, empresa do sector de geração e distribuição de electricidade, bem como 100% da Finmeccanica-Energia e mais 30% de participação nos restantes sectores do conglomerado Finmeccanica (Metro, ferrovia e outros.).

Na França, televisão (France Television), correios (La Poste), e caminhos-de-ferro (RFF e SNCF) são empresas 100% estatais e o Estado detém também 13,4% da France Telecom, mais de 50% de participação nas empresas que gerem os aeroportos, 24,5% da EADS, empresa do sector da aeronáutica, 36% da companhia de gás GDF-SUEZ, 84,5% da companhia de electricidade EDF e 84,5% da RTE, redes de transporte de energia.

Vejamos um último caso: o Estado Alemão. A Alemanha detém 100% da televisão (ZDF e ARD), 32% da Deutsche Telecom, 100% dos caminhos-de-ferro (Deutsche Bahn), 20% da Volkswagen, 46,55% da ENBW e 16% da RWE, grandes empresas dos sectores da energia e electricidade, 100% da EWE AG empresa de produção e distribuição de gás e ainda 100% do banco Sparkasse.

Nenhum destes países se encontra activamente a privatizar os sectores estatais considerados estratégicos - e que seja do conhecimento público nenhum outro Estado colocou à venda no mercado empresas estratégicas – pelo contrário, o governo alemão mostrou interesse em ajudar a RWE a comprar, a preço de saldo, a participação de Portugal na EDP revelando preocupação em proteger e reforçar o seu papel em sectores considerados estratégicos.

As instituições europeias também não estão interessadas em assumir maior responsabilidade na gestão de recursos estratégicos para a União e apenas procuram que os países em dificuldades tenham liquidez para pagar as dívidas, e os juros das mesmas, mesmo que para isso se façam operações, como por exemplo a venda das participações do Estado Português nas empresas estratégicas, que venham a agravar as assimetrias entre Estados-membros e pôr em causa a sustentabilidade dos orçamentos nacionais.

 

As razões que a razão desconhece

As suposições ou premissas das quais partimos para perceber a fúria privatizadora do governo PSD/CDS - eficiência económica, melhoria do serviço à população, oportunidade face à crise financeira ou cumprimento de uma opção europeia - levam-nos a concluir que optar pela privatização é uma opção prejudicial para os portugueses, que coloca o Estado Português em piores condições para sair da crise e que certamente será pouco rentável.

Se nem sequer se pode dizer que é uma tendência europeia à qual não podemos escapar a única maneira de perceber esta opção política é perceber a afinidade que existe entre os representantes da Troika, o governo de José Sócrates e o governo de Passos Coelho. Essa afinidade é a crença injustificada e errada de que mercados livres da intervenção do Estado são mais eficientes e capazes de garantir o bem-estar social. Esta crença na ideologia do mercado não serve os interesses da maioria dos portugueses mas há quem lucre com esta situação. Por exemplo a privatização da GALP fará Américo Amorim, o homem mais rico de Portugal, ganhar muito dinheiro mas serão poucos, mesmo muito poucos, os outros portugueses que ganharão alguma coisa com o negócio das privatizações e a maioria ficará certamente a perder.

Ana Cansado

1. LOUÇÃ, Francisco e CASTRO CALDAS, José (2009), Economia(s), Porto, Edições Afrontamento, p. 101.

 

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