"Viva la muerte!" Versão para impressão
Terça, 02 Agosto 2011

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A Europa acaba de sofrer um choque comparável ao que experimentaram os norte-americanos em 11 de Setembro de 2001. A maior diferença está em que Bin Laden e os seus seguidores eram fanáticos muçulmanos, bem organizados, e o terrorista de Oslo um fundamentalista cristão, loiro e de olhos azuis, aparentemente agindo sozinho, que ataca os seus próprios conterrâneos pelo simples motivo de os considerar "traidores multiculturalistas e marxistas"  que devem ser executados por deixaram entrar na Europa imigrantes muçulmanos que considera "animais selvagens".

Pode-se discutir se se trata de um psicopata, de um sociopata, de um fanático religioso, de um fascista, ou de tudo isso ao mesmo tempo, mas não devemos cair no erro de pensar que se trata de um caso isolado, de uma doença rara que muito dificilmente se voltará a repetir. Não esqueçamos que Breivik tinha contactos internacionais e já tinha militado no Partido do Progresso, de extrema direita, que é só o maior partido da oposição na Noruega.

Não esqueçamos também que a extrema direita tem aumentado de votação em vários países da Europa com o mesmo discurso xenófobo, partilhado com a direita menos radical (o que, no que diz respeito a Portugal, não deixou de ser notado por Breivik, ao poupar o PP na sua lista negra) e que Hitler subiu ao poder, em 1933, não só por ter o apoio do grande capital industrial e financeiro, mas também porque recebeu o voto da classe média e da pequena burguesia desorientada com as consequências da crise financeira mundial de 1929 na Alemanha: inflação, dívida externa, austeridade, desemprego (mais de metade da população activa). Não esqueçamos, para que a tragédia se não repita.

No passado 18 de Julho fez 75 anos que se deu início à sublevação de uma facção do Exército  contra o governo legitimamento eleito da República espanhola, que resultaria numa Guerra Civil sangrenta, ensaio geral da II Guerra Mundial.

"Viva la Muerte!", título de um filme de Arrabal, era o grito de guerra dos fascistas chefiados por Franco. Em 12.10.1936, dia da “Fiesta de la raza”, numa sessão solene na Universidade de Salamanca, perante a provocação de um falangista que se referiu à Catalunha e ao País Basco como "cancros no corpo da nação, que o fascismo saberá exterminar cortando em carne viva, como um decidido cirurgião livre de falsos sentimentalismos”,  o grande poeta e filósofo basco, Miguel de Unamuno, reitor daquela universidade, respondeu assim: “Vencereis, porque tendes a força bruta mais do que necessária. Mas não convencereis (…) porque vos falta  razão e  direito em vossa luta”. Então, um oficial de Franco, Millán Astray, vociferou: “Muera la intelectualidad traidora! Viva la muerte!”

Um oficial de Imprensa de Franco, Gonzalo de Aguilera, latifundiário absentista, capitão do exército e 17º conde de Alba y Yeltes, explicou assim a um jornalista estrangeiro a estratégia dos amotinados fascistas: "Temos que matar, matar, matar, sabe… as pragas e pestes, em épocas mais sãs, matavam muitos espanhóis, uma raça de escravos. São como animais… não podemos esperar que se livrem do vírus do bolchevismo. Ratos e piolhos são os portadores da peste. Compreende agora o que entendemos por “Regeneração da Espanha”?… O nosso programa consiste em exterminar um terço da população masculina de Espanha, para nos livrarmos do proletariado. Além do mais, não voltaria a haver desemprego em Espanha."

O general Juan Yague, responsável pela matança de  dois mil republicanos na Praça de Touros de Badajós, em 1936,  questionado sobre a lentidão do avanço das tropas de Franco, respondeu que isso lhes dava a vantagem de  ter tempo para "depurar completamente o país de todos os elementos  vermelhos".

O general Mola, defensor da “reagrarianización” da Espanha e da destruição da indústria pesada para eliminar o proletariado industrial”, defendia em 1936: “É necessário propagar uma atmosfera de terror (…), fusilar todos os que aberta ou secretamente defendem a Frente Popular”.

Nos bairros operários de Sevilha, entre Julho de 1936 e Fevereiro de 1937, oficiais fascistas depois de recolherem  informações a padres e correligionários, executavam os activistas de esquerda,  deixavam a população em paz durante cerca de uma semana, o tempo necessário para investigarem quem eram os republicanos convictos, que eram conduzidos ao cemitério onde as “brigadas de depuración” os fusilavam em grupos de, mais ou menos, vinte.

Em Agosto de 1939, 13 mulheres entre os 18 e os 21 anos, das Juventudes Socialistas Unificadas, acusadas de colaborar com a resistência, dando apoio, comida e roupa aos filhos  e mulheres dos presos, foram executadas com mais 43 presas no cemitério Este de Madrid.

"Arriba Espanã" foi o título de um jornal que os falangistas imprimiram pela primeira vez em 1.08.1936, em Pamplona, com as rotativas sequestradas do jornal basco "la Voz de Navarra". Nesse primeiro número, sob a direcção de um padre,  exortava: "Camarada! Tens obrigação de perseguir o judaísmo, a maçonaria, o marxismo e o separatismo. Destrói e queima os seus jornais, livros, revistas e a sua propaganda. Por Deus e pela Pátria!"

Em 1937, Franco disse ao embaixador italiano que para ele a vitória equivaleria ao aniquilamento de grandes quantidades de republicanos e a humilhação total e o terror da população sobrevivente

Foi a estes terroristas que o regime fascista de Salazar deu apoio durante a Guerra Civil, ao lado de Mussolini e Hitler (a aviação alemã teve um papel determinante), não assumindo, ao contrário daqueles, a intervenção armada directa, mas enviando um corpo de 10 mil “voluntários” portugueses e disponibilizando apoio logístico, como o livre desembarque de mantimentos para as forças amotinadas, o  uso das bases aéreas e o abastecimento de medicamentos e munições.

A França e a Inglaterra promoveram na Sociedade das Nações um “Acordo de Não Intervenção”, e fecharam os olhos ao não cumprimento por parte da Alemanha, Itália e Portugal. As forças republicanas só contaram com o apoio da URSS, ainda que hesitante (Staline queria que as neutrais França e Inglaterra fossem suas  aliadas numa provável guerra iniciada por Hitler)  e dos heróicos 40 mil voluntários anti-fascistas, oriundos de 50 países, que constituíram  as Brigadas Internacionais.

Hoje, passados 75 anos, a lei de Memória Histórica aprovada em 2007 ainda só permitiu a abertura de 270 das mais de 2 mil valas comuns com os restos mortais das vítimas da Guerra Civil e do franquismo. Assim como está por concretizar a reparação económica e moral das vítimas, acusadas apenas por serem republicanos, nacionalistas bascos e catalães, comunistas, anarquistas,  sindicalistas, feministas ou maçons. E, sobretudo, falta prevenir, com leis e pedagogia cívica, a repetição deste tipo de golpes contra a democracia e governos legitimamente eleitos.

Aos revolucionários cumpre aprofundar a análise da derrota, a que não foram alheias as desconfianças e confrontos entre comunistas, trotskistas e anarquistas.

Hoje, perante actos terroristas como os de Oslo, cabe-nos solidarizar-nos com as centenas de milhares de noruegueses que em várias cidades do seu país se mobilizaram em marchas e manifestações contra o ódio e contra o medo, garantindo não abrir mão da democracia. E responder, como Unamuno ao oficial fascista:  “Viva la vida!”

Carlos Vieira e Castro

 

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