Há 40 anos a luta fazia-se com risco, mas valeu a pena! Versão para impressão
Quarta, 23 Abril 2014

Luís FIlipe PereiraRefugiado político em Bruxelas, fui sempre acompanhando o desenrolar dos acontecimentos em Portugal, ao mesmo tempo que era recrutado pela OCMLP na Bélgica com actividade militante que passava pela venda exemplar do Jornal "O Grito do Povo".

 

testemunho de Luís Filipe Pereira - pré publicação de A Comuna nr. 31 Especial 25 de Abril (Maio 2014)

 

Alguém se lembrou de perguntar "onde estavas no 25 de Abril". Por mim respondo, estava muito longe de Portugal, mais concretamente em Bruxelas.

Aos 20 anos a juventude no tempo do regime colonial fascista, tinha a certeza de uma guerra colonial injusta que massacrava os povos que ansiavam e lutavam pela sua independência. Eram 4 anos de serviço militar obrigatório quase sempre com mobilização para as colónias.

Há 40 anos Portugal estava em guerra contra Angola (Fevereiro de 1961) Guiné (Janeiro de 1963) e Moçambique (Setembro de 1964). Guerra declarada pelos Movimentos de Libertação Nacional que lutavam pela independência dos seus Países.

O regime colonial-fascista insistia que a guerra era feita para defender aquilo a que chamavam Território Nacional.

Na rádio passava sistematicamente o slogan "Angola é nossa" "Angola é nossa" "Angola é nossa", curiosamente desde muito pequeno que fui ouvindo dos mais velhos, "eu dou a minha parte" ... "e eu a minha" respondia outro.

A consciência contra a guerra e os seus efeitos chegaram cedo, era inevitável; vi amigos voltarem com graves e definitivas deficiências e com memórias de terror.

A simpatia pelos movimentos de libertação foi crescendo.

Entretanto um acontecimento vem marcar profundamente a minha família.

Na tentativa falhada da tomada do Quartel do Regimento de Infantaria 3 de Beja, na noite de 31 de Dezembro de 1961 para 1 de Janeiro de 1962, participou o meu Tio Fernando irmão do meu Pai, foi preso pela PIDE e levado para a cadeia de Caxias onde iria permanecer cerca de 7 anos.

Na minha cabeça não havia espaço para qualquer compreensão para com aquele regime que me oferecia "conversas em família" e me obrigava a ler diariamente em letras enormes no topo da oficina onde trabalhava (Arsenal do Alfeite) DEUS, PÁTRIA, FAMÍLIA.

Então tínhamos Angola é Nossa, Angola é nossa, Conversas em família e Deus Pátria Família, e a PIDE e as prisões políticas que não paravam.

Por volta dos 17/18 anos tomei uma decisão que viria a pôr em prática.

Tinha conhecimento que muitos amigos, antes de dar o nome para a tropa saiam a "Salto" para França, Bélgica e alguns conseguiam chegar à Suécia.

Eram considerados refractários.

Essa não era solução para mim, eu iria fazer a tropa (Exército) se não fosse mobilizado para as colónias, faria a tropa até ao fim. Se fosse mobilizado seria desertor.

Assim aconteceu calhou-me a especialidade de atirador especial, fui parar a Tavira. Recebi instrução ao mais alto nível, disparei milhares de tiros com bala real, com várias armas e no fim fiquei com duas certezas: Que todos os tiros que fiz foram em alvos de cartão e que não conseguiria nunca disparar contra pessoas que estavam a lutar para defender os seus países onde nasceram, e que eu reconhecia terem todo o direito à Independência. Apoiar a sua luta passava por não lutar contra eles!

Em Setembro de 1973 durante um fim-de-semana que pude vir a casa, peguei na trouxa e fui direito a Vilar Formoso, passei a salto para Espanha, na companhia de um primo e de um amigo e camarada com quem trabalhava no Arsenal com o qual travei laços de grande confiança até aos dias de hoje.

No dia 21 de Setembro de 1973 obtive por parte da Organização das Nações Unidas o estatuto de refugiado político em Bruxelas.

Fiquei 3 anos em Bruxelas. Uma fase da minha vida gravada na minha memória até aos dias de hoje, estar longe do nosso país, da família dos amigos com a perspectiva de não poder voltar mais. Com 21 anos sem dinheiro, sem trabalho sem saber dizer uma frase em Francês.

Valeu-me um amigo de um amigo, de nome Alho (é só o que me lembro) que adorava reencontrar. Ofereceu-nos o chão da sua casa e dava-nos pão e cebolas, que recebia de Portugal, só vos digo que pão com cebola é um petisco.

O primeiro emprego chegou nas limpezas de escritórios, e passados poucos meses estava a trabalhar como torneiro mecânico num belo torno semi-automático.

Fui sempre acompanhando o desenrolar dos acontecimentos em Portugal, ao mesmo tempo que era recrutado pela OCMLP na Bélgica com actividade militante que passava pela venda exemplar do Jornal "O Grito do Povo". (no final do ano 1974 aderimos à UDP aquando da sua fundação).

Ao fim de 7 meses na Bélgica dá-se o 25 de Abril de 1974, é indiscritível a alegria do grupo de Portugueses e Portuguesas que aí se encontravam, nessa altura já arranhava o Francês e posso dizer-vos que os portugueses eram autênticas vedetas; toda a gente queria fazer perguntas, apresentar felicitações.

Tínhamos começado a ser gente!

Memória do 25 de Abril de 1974

Luís Filipe Pereira