Porquê a Ásia? Porquê os trabalhadores? Versão para impressão
Terça, 02 Julho 2013

estrela1. Nesta era de grandes transformações, a crise financeira de 2007-2009 foi o embate que fez a terra tremer, e é toda uma nova geografia que se forma ao calor da luta de classes. Aqui afundam continentes, ali emergem países.

O vento das grandes mobilizações populares enfrenta as ondas da grande repressão. Do outro lado do Atlântico, os protestos iniciados contra o aumento dos transportes em São Paulo logo se estenderam territorialmente e a causas mais amplas. Dos dois lados do Egeu, o parque de Taksim Gezi, na Turquia, e a estação de televisão ERT, na Grécia, erguem-se em bandeira de uma luta maior dos povos contra o autoritarismo e a austeridade.

O tempo é de lutas mais duras, não é de vitórias mais fáceis. Cresce a ânsia antissistémica frente à radicalização da exploração e da opressão, e nem sempre é a esquerda quem ergue a bandeira, muitas caem pelo caminho. Na Hungria avançam o conservadorismo radical e o neonazismo. Na Itália o anti-político Beppe Grillo tem 26%. Na Bulgária é desconvocada a Sofia Pride por medo da violência homofóbica. Enquanto, na Grécia e em França, o crescimento da extrema-direita, representadas pela Aurora Dourada e pela Frente Nacional, só encontra oposição forte na firmeza da Esquerda Radical grega (SYRIZA) e da Frente de Esquerda francesa.

É em tempos destes que sentimos que fazemos a nossa própria história, mas não a fazemos como queremos, não nas circunstâncias escolhidas por nós (Marx 1852). É preciso consciência crítica dessas circunstâncias. E quando o centro geopolítico e geoeconómico do mundo gira para o Pacífico, é importante a pergunta: O que sabemos nós sobre as lutas do trabalho na Ásia?

2. O segundo número do décimo aniversário da revista A Comuna pretende contribuir para preencher essa lacuna grave para a esquerda europeia, o desconhecimento generalizado das "Lutas do Trabalho na Ásia". Neste número, um dossier organizado pelo Carlos Santos leva a saber mais sobre "a luta dos trabalhadores nas fábricas do mundo", viajando pela "China em revolta", passando pela "revolta dos (i)scravos" na Foxconn chinesa, assistindo na Índia ao que acontece "quando cem milhões de pessoas fazem Greve Geral de dois dias", ou quando os "operários da Suzuki lincham gestores", vendo na Indonésia uma "greve geral contra a precariedade", e ficando com uma "amostra grátis do capitalismo mundializado" na observação critica da "catástrofe do Bangladesh". Finalmente à profundidade das abordagens anteriores acresce a panorâmica das "lutas do trabalho na Ásia Oriental, no primeiro semestre de 2013" e das "lutas do trabalho na China, no primeiro trimestre 2013".

Na secção cultural, Adriana Rosa Delgado analisa o filme Playtime de Jacques Tati (1967), obra em que o autor "não olhou a gastos para que o filme fosse a tradução exata do que idealizara" e o urbanismo é usado "para criticar a uniformidade da cidade moderna".

Lídia Pereira discute a "utopia concreta e coletiva" como princípio revolucionário e aborda a temática da "instrumentalização da utopia" destacando a capacidade do sistema capitalista para cooptar a crítica, privando-a do seu caráter emancipatório, "e torna-a uma ferramenta ativa da sua continuidade e manutenção".

Em "Marcuse e a alienação do socialismo", Luís Fazenda recorda que "a ideia de que o socialismo se podia fazer sem os trabalhadores é uma originalidade de Herbert Marcuse". Dialogando com a obra do autor, contrapõe aos "arautos da erosão da centralidade do trabalho" a defesa da exploração como categoria económica e a superioridade do contributo de Marx, dado que "em 160 anos não foi descoberta outra teoria coerente para superar o capitalismo na roda sinuosa da história social".

 

Bruno Góis, diretor da revista A Comuna

Editorial d' A Comuna nr. 30 (Abril-Junho 2013)