Novas Cartas Portuguesas – “O que podem as palavras?” Versão para impressão
Domingo, 01 Janeiro 2012

tresmarias

As Novas Cartas Portuguesas foram lidas pela primeira vez, de forma colectiva, em França a 25 de Outubro do ano de 1973 na “Noite das Mulheres” em Paris (1). Quarenta anos passados da escrita desta obra (1971) vale a pena recordá-la, relê-la, revisitá-la já que ainda não perdeu completamente a sua actualidade.

 

Este livro salienta a situação social e política das mulheres portuguesas através de uma escrita ousada, sem pudor e até por vezes agressiva revelando um panorama sobre o infortúnio histórico das mulheres. Como afirma Maria Graciete Besse (3) o estatuto das mulheres no pensamento patriarcal foi sempre de marginalização, estigmatização e domesticação das mesmas.

Escritas em 1971 e publicadas em Abril de 1972 (3) com a direcção literária de Natália Correia que publicou a obra na integra sob a chancela dos Estúdios Cor, as Novas Cartas Portuguesas foram recolhidas do mercado e destruídas, 3 dias após o seu lançamento sob o pretexto e a acusação por parte da censura de que o seu conteúdo era “insanavelmente pornográfico e atentatório da moral pública”. Sob esta acusação, as três autoras foram acusadas e o seu julgamento iniciou-se a 25 de Outubro de 1973 (1).

As Novas Cartas Portuguesas são uma obra de um valor inestimável para o feminismo tanto português, como mundial porque marcaram com pulso firme uma visão feminina, a denúncia da condição das mulheres portuguesas no Estado Novo e uma renúncia ao papel imposto a todas as mulheres portuguesas pela ditadura, pela censura, pelo conservadorismo e pelo patriarcado.

A resistência memorável das suas três autoras à pressão do Estado Novo, às ameaças físicas e de perda de liberdade são uma verdadeira inspiração para a luta feminista. Juntas, Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, traçaram um projecto, escreveram uma valorosa obra e mantiveram-se fiéis à promessa feita de que para o bem (o sucesso) e para o mal (a prisão, a condenação social e o isolamento), nenhuma das três revelaria qual delas teria escrito que texto. 40 anos depois mantêm-se fieis a essa promessa.

Perseguidas e julgadas em Portugal, as três autoras e a sua obra foram amadas e acarinhadas especialmente pela Europa e pelos Estados Unidos reunindo uma solidariedade da comunidade literária portuguesa e estrangeira. O julgamento das três autoras foi seguido pelo The Times, Le Nouvel Observateur, CNN, entre outros, o que demonstra bem a sua dimensão internacional e o seu impacto além fronteiras.

As Novas Cartas Portuguesas foram o estandarte de uma solidariedade feminista inigualável com leituras, peças de teatro e manifestações na Europa com especial relevo em França e com um apoio espantoso nos Estados Unidos, onde, nos dois anos durante os quais o julgamento durou, a Embaixada de Portugal não viu uma hora que fosse de descanso. Unidas pela solidariedade, a luta e a reivindicação de direitos, as feministas americanas de diversos grupos e de várias tendências dentro do feminismo, fizeram escalas horárias garantindo que o protesto continuava em frente da Embaixada Portuguesa 24 sobre 24 horas (2). Graças ao seu emprenho solidário, durante esses 2 anos, a Embaixada portuguesa não viu sossego, nem de dia nem de noite, nem com chuva, frio ou neve porque à sua porta as feministas americanas exigiam justiça para as três Marias portuguesas e para a sua valorosa obra.

De entre os nomes que assumiram a defesa pública das Novas Cartas encontra-se Simone de Beauvoir, Margarite Duras, Doris Lessing, Íris Murdoch e Stephen Spencer. Pela sua mobilização, o apoio a esta obra foi considerada a primeira causa feminista internacional. Este exemplo emocionante, politicamente feminista, revela a capacidade solidária das mulheres em pequena (as três autoras) e a em grande escala (através das manifestações mundiais) e demonstra com clareza, a capacidade organizativa das mulheres para fazer politicamente face às adversidades que lhes são impostas social e politicamente.

Ainda hoje o nosso país “esconde” essa obra não referenciando a glória da sua história e o enorme valor do seu conteúdo, com receio, talvez de uma consciência por parte das mulheres da sua própria força e determinação e do abalo das condições de género patriarcais e heteronormativas instauradas. Pelo Mundo fora, As Novas Cartas Portuguesas são acarinhadas e foram traduzidas em quase todas as línguas do globo sendo até editadas em formato de livro de bolso, leccionadas na Universidade de Oxford, em Inglaterra e tendo uma reacção expressiva na Alemanha, Brasil, Canada, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda, Inglaterra, Irlanda, Itália, Macau, Suécia, nos Países Africanos de Língua oficial Portuguesa e nos Países Sul Americanos de Língua Espanhola (1).

Aqui fica um presente histórico para tod@s nós que não devemos hesitar em receber e reflectir. As Novas Cartas Portuguesas são uma resistência verdadeiramente feminista respondendo claramente à questão “O que podem as palavras?” com a resposta “Podem mudar o Mundo!”.

Nádia Cantanhede

(1) www.novascartasnovas.com

(2) Maria Teresa Horta na Leitura colectiva d’As Novas Cartas Portuguesas, 25 de Outubro de 2011, na UMAR, Centro Cultural e de Intervenção Feminista.

(3) Maria Graciete Besse, As “Novas Cartas Portuguesas” e a Contestação do Poder Patriarcal”. Latitudes nº 26 de Abril de 2006

(4) Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa (1972) in Novas Cartas Portuguesas, Edição de 2010, Editora D. Quixote