Assalto à EDP Versão para impressão
Quarta, 28 Dezembro 2011

edp

O Governo abdicou de ter posição estratégica na EDP. Lançada no xadrez de interesses estatais externos e com catalisadores da destruição do emprego e direitos laborais, o futuro não é luminoso.

Logo à partida, ficou decidido que a privatização seria para empresas controladas por outros governos.

O Conselho de supervisão começou por dar sinal positivo a duas: a China Three Gorges Corporation e a alemã E.ON, empresa que embora privada está sob o poder e influência do governo de Merkel. Sobravam as brasileiras Eletrobras (governo federal brasileiro) e Cemig (governo do estadual de Minas Gerais).

Se a E.ON decidiu despedir 11 mil dos seus 80 mil funcionários (embora jurasse, por agora, que a EDP ficaria de fora), a escolha final também não é melhor.

A juntar aos baixos padrões chineses de direitos laborais (e isto já é eufemismo), a Amnistia Internacional denunciou como exemplo do desrespeito pelos direitos humanos por parte da China Three Gorges Corporation o recente desalojamento, na sequência da construção da barragem das Três Gargantas, de um milhão de cidadãos chineses, a maioria dos quais não recebeu indemnização justa ou realojamento. O impacto ambiental desse empreendimento realizado numa falha tectónica revelou-se, aliás, uma tragédia de grande dimensão, com deslizamentos de terras e a continuação da falta de respeito pelas pessoas das aldeias afectadas.

O Governo acabou por se decidir pela proposta chinesa para a venda dos 21,35% do Estado Português. A empresa estatal chinesa passa a ser a voz decisiva na EDP, um vez que os direitos de voto estão limitados a quem detem pelo menos 20% e o segundo maior accionista, a Iberdrola, possui 6,79% da empresa.

Por esta via, a eléctica chinesa entra no mercado brasileiro, uma aposta interessante para o entrosamento nos interesses do capital chinês no também emergente colosso sul-americano. Note-se que a EDP Brasil é detida a 51% pela EDP e que o restante capital desta empresa está disperso. A aposta no Brasil é tal que 50% do investimento nos novos projectos da EDP no Brasil serão financiados pela China Three Gorges Corporation.

Ao nível da banca, a aposta do capital chinês também se faz notar. O interesse manifestato há um ano, durante a vista de Hu Jintao a Portugal, de investimento chinês no maior grupo privado português ganha agora outra propriedade. Houve conversações não só entre o BCP e o ISBC, maior grupo financeiro chinês, mas também com China Development Bank e outros bancos chineses. Aposição alcançada numa empresa estratégica como a EDP agussa o interesse do capital chinês em deter uma posição importante também na banca portuguesa.

Alguns comentadores alegram-se por ter sido preferido pelo Governo passar os 21,35% da EDP aos interesses chineses e não à alemã E.ON. Grande é a vingança dum povo submetido pelo seu governo aos interesses externos! Escolhe o Governo PSD-CDS (e mais a sua bengala PS) a submissão em geral à Troika, a Merkel e a Sarkosy. Porque, em particular, no que toca aos 21,35% da EDP, aí não, meus senhores! Uma República soberana e democrática tem a sua dignidade. E o que faz? Entrega a EDP à ditadura chinesa. Qualquer pessoa que em Portugal tenha um contador de electricidade saiba que a partir de agora da factura da EDP sai um pequeno contributo (um contributo à nossa medida mais os investimentos no Brasil etc.) para um Estado que oprime o seu povo e lhe impõe uma colossal exploração da mais valia: a República Popular da China.

A democracia a que temos direito exige propriedade pública dos sectores estratégicos da economia. O conteúdo social da cidadania e as liberdades democráticas só são garantidas por um Estado que não esteja à mercê dos interesses vorazes da burguesia, seja ela nacional ou estrangeira. Nos antípodas disto, o Governo português continua a prometer e a cumprir com a sua aposta suicidária na pobreza e na submissão do povo.

A nível internacional, há que sublinhar que estas movimentações chinesas em torno da EDP e do BCP, com ramificações no Brasil e África, fazem parte de um imperialismo global em que a China é um actor determinante. Quem quer continuar a varer o gigante asiático para debaixo do tapete do “relativismo nos caminhos para o socialismo”, nunca percebeu que a sua solidariedade internacionalista devia ser com os trabalhadores chineses e não com a ditadura que os oprime. Talvez venham a percebê-lo quando a República Popular lhes tirar o tapete na sua própria casa directamente e face a face com os trabalhadores de Portugal.

Bruno Góis