SOCORRO !!! …está uma alternativa na banheira Versão para impressão
Quarta, 28 Dezembro 2011

I

banheira

Na opinião da generalidade dos mais produtivos comentadores dos media, o governo “continua em estado de graça”, apesar da sua determinação orgulhosa em trucidar os cidadãos e as cidadãs que insistem em não cumprir a obrigação histórica da diáspora.

Por que será, interrogam-se entre perplexos e intimamente satisfeitos. Perplexos por verem quem se queixa de ser assaltado de puxão ou por carjacking ou na sua ourivesaria continuar a sustentar um bando integrado de espoliadores. Satisfeitos, por outro lado, porque tal significa que a alma do sistema está salva.

A situação, temos que ser convenientes e compreensivos, é difícil. Não podemos aceitar o assalto com ocupação externa nem a capitulação de quem tinha a obrigação de guardar os interesses do país e dos cidadãos e cidadãs. Mas, por outro lado, não podemos aceitar que a única alternativa real ponha em causa o prestígio do sistema e a coragem dos cobardes agentes internos do assalto externo, da espoliação levada a cabo pela finança e pela banca.

Claro que devemos dar relevo aos factores de harmonização e pacificação das consciências: a globalização e a presciência da finança como factor integrador; a nobreza, a tenacidade a coragem dos portugueses e portuguesas prontos para o sacrifício compensado pela fé e pela esperança de que o reforço da iniciativa privada e a concorrência até ao monopólio aprofundarão a democracia e a equidade – e não se duvide, foi o Primeiro-Ministro quem acabou de o dizer na sua singela mensagem de Natal- ; e finalmente, o reconforto da misericórdia da Igreja e da caridade solidária como bálsamo e como sustento da miséria.

Não podemos agora, dizem eles, depois de anos e anos de complacência ou mesmo embevecimento e de propaganda encoberta ou entusiástica, pôr radicalmente em causa os critérios políticos e as escolhas económicas que ajudámos a fazer caminho por temor ou ignorância: é preciso que o que está continue a estar.

Daí que, entre o indignado e o divertido, se veja agora essa malta obrigada a criticar os conselhos e cimeiras europeus, mais as medidas do Governo, mas para lançarem o argumento preclaro de que não há outra saída.

Ou, havendo, os custos seriam insustentáveis: garantia-se a salvação e gratuitidade do SNS, o apoio empenhado ao ensino e ao sistema educativo, à criação de dinâmica de emprego e de dinamização da economia. Como? Recusando alimentar a dívida, que é a salvação actual dos vampiros financeiros, e a banca então seria obrigada a aguentar-se com as pratas da casa e a dar crédito à produção industrial e agrícola ou, na pior das hipóteses, iria à falência (ainda me lembro de ver Cavaco Silva e os seus futuros angariadores de negócios, nos idos de noventa ou finais de oitenta, a defender que o que havia não era desemprego a mais mas falências a menos). A falência de alguns bancos, aliás no respeito das normas mais transparentes do capitalismo ,seria colmatada pela CGD que tem envergadura para absorver os activos humanos e financeiros necessários, passando a cumprir o seu papel de banco estatal e de referência para toda a actividade bancária, empréstimos, juros etc., sob a orientação política maioritária! Os democratas têm alguma coisa contra?

Como se sabe, seriam ainda insuportáveis as consequências de uma renegociação das dívidas a nível nacional e europeu depois de auditorias rigorosas que distinguissem a dívida pública da privada e a legítima da ilegítima, dado que a Banca, depois de ter tido o papel director na destruição activa da economia, do ponto de vista ético e de justiça elementar teria que deixar de sustentar-se à custa do esbulho manu militari (há dúvidas?) dos rendimentos do trabalho.

Então como aceitar a alternativa se a alternativa for realmente esta alternativa como propõe o Bloco? Pensando bem, em forma de assim, até não é disparatada de todo mas passa logo a sê-lo quando exige uma solução europeia. Ora, isso, está mesmo a ver-se, é impossível porque a Europa que temos também não suporta alternativa sendo embora, como todos concordam, um produto de decisões rapaces mas ainda por cima irracionais, sem sentido, sem saída, de cimeiras ridículas mas definitivas. Sem alternativa.

A única alternativa, e que a torna inaceitável, seria a que decorre da democracia, da economia, da vontade do trabalho e da cidadania, coisas que a malta anda sempre a contrapor nas análises que faz à irracionalidade das decisões centrais da Europa. Mas isso seria o fim desta Europa e de tudo o que ela significa e abriria caminho à Europa que todos andamos a dizer que queremos. Impensável portanto.

Esta Europa, a morrer, que seja pela mão da progenitora qual Medeia implacável - a finança que é muito simplesmente o negócio financeiro global dos off-shores, dos juros abusivos e chantageadores, do dinheiro virtual da especulação e da dívida criadora, do crime organizado universalmente caracterizado em todos os códices, enquanto a economia mundial se fina e as pessoas que tudo aguentam passam fome.

Nada a fazer, portanto. A alternativa que a esquerda propõe não consegue medrar no status no qual não se encontra alternativa; logo não pode ser alternativa. Capiccio?

II

Mas essa malta que tem sido o suporte mediático da APSIC da finança foi, até agora, incapaz de deixar claro às pessoas que essa treta com que a Merkel e o Passos Coelho nos atiram de impor mais horas de trabalho é exactamente o contrário de produtividade. A produtividade consegue-se com investimento adequado e menos horas de trabalho, pois segundo o óbvio interdito pelas boas mentes formatadas, a produtividade será a produção por unidade de tempo. Ou seja, quanto mais se produzir em menos tempo maior é a produtividade; e isso depende essencialmente das condições de avanço tecnológico e da sua utilização pelo capital, assim como da organização do trabalho e do estímulo material e moral aos trabalhadores, o que é ainda uma responsabilidade do capital.

Mas, transportando-nos aos primórdios da revolução (bonito nome) industrial, o que interessa e dá lucro com menores encargos – o trabalhador tem de comer e enquanto não ganha capacidade de resposta, (e então chamam-lhe agitador e violento), é obrigado a aguentar tudo garantindo, mesmo que não queira, a sua reprodução constante sem encargos para o capital desde que este garanta que não paga impostos e o dispêndio mínimo ou nulo com o serviço público - é a exploração exaustiva do capital variável poupando no constante, desde que tal seja imposto tacitamente como norma geral da concorrência! E em tempo de sobreprodução, que exige a destruição da capacidade produtiva, logo de factores de produção, a concorrência concorre na exploração exaustiva da força de trabalho ao preço da chuva, marcado pela mole crescente de desempregados, única garantia de lucro seguro.

E aí temos o tal socialismo chinês dando o mote, impondo o dumping social generalizado e comprando o que lhe põem à disposição.

III

Termino com uma palavra de consolo para os queridos quadros intelectuais do sistema, aqueles que têm a pesada responsabilidade de garantir que tudo continuará na mesma a não ser que “qualquer dia, qualquer dia…” como diz o poeta do anúncio da alvorada.

A alternativa que muitos de vocês vislumbram mas recusam acusando-a, em última instância, de ideológica, porque professaram a ideologia do capital que, na confusão, vos conforta mas ao mesmo tempo vos inquieta ao verem que isto está na mão de imbecis vorazes, decadentes, irresponsáveis que se confortam dizendo que olham longe mas apenas procuram o seu próprio umbigo, é de facto a alternativa. Porque responde com argumentos políticos, sociais, económicos e… éticos ao sistema que já só tem para oferecer miséria, destruição e guerra.

E não é ideológica. Ela é procurada e afirmada de Wall Street à Praça Tahrir, passando pela Praça Vermelha, por Tel Aviv e pela nossa Avenida da Liberdade.

Se se soltarem um pouco, se se libertarem da vontade de serem mais papistas que o papa pois que isso dá mais uns bons trocos, e das amarras ideológicas que vos tornam crentes em vez de críticos profundos e inquiridores informados e desinibidos, muitos de vocês mesmos vão ajudar a encorpar e estruturar a famosa alternativa que está dentro das vossas banheiras. Vão tomar banho por favor e não se assustem.

Mário Tomé