Escalada dos preços agrícolas mundiais é consequência da especulação financeira Versão para impressão
Terça, 18 Janeiro 2011

Os preços internacionais dos produtos agrícolas básicos voltaram a atingir valores máximos no passado mês de Dezembro, superiores aos verificados durante a dramática subida dos preços agro-alimentares de 2007/2008. Depois de um pico, os preços voltam a caír, mas o que está a caracterizar a evolução desde 2007 é que os valores acabam por ficar mais altos do que os existentes no início da escalada. Como consequência, os preços mantêm-se elevados e em crescimento, sem qualquer correspondência com a economia real da produção e do comércio agro-alimentar. Só a forte especulação financeira em torno dos mercados agrícolas é que explica, em grande parte, este novo fenómeno. Os resultados traduzem-se no agravamento da pobreza e da fome nas áreas urbanas e rurais das economias mais débeis e no agravamento da dependência alimentar de países, como Portugal, que importam grande parte da sua alimentação.

Todas as tempestades e secas que afectam as colheitas têm servido de justificação para os aumentos dos preços. Mas estes imprevistos meteorológicos têm sido verdadeiras "tempestades perfeitas" para encobrir as responsabilidades de um sistema capitalista desregulado e financeirizado que não consegue garantir preços estáveis e acessíveis para bens essenciais, mas consegue gerar uma nova bolha especulativa que passa a encarar os produtos alimentares como qualquer outro activo financeiro.

No final de 2006, os preços internacionais começaram a subir para valores impensáveis, sem que nada o fizesse prever. Cresceram 80% no trigo, 90% no milho, 320% no arroz. A crise prolongou-se por todo o ano de 2007 e só em meados de 2008, antes da falência do Lehman Brothers, é que os preços caíram, mas para patamares muito acima do início da crise.

É verdade que a diminuição da produção e dos stocks agrícolas, o aumento dos consumos, nomeadamente através dos biocombustíveis, ou mesmo as consequências das alterações climáticas e da carência de água, pressionam a subida dos preços. Contudo, a dimensão destes factores não consegue explicar toda a magnitude da volatilidade actual dos preços, que variam de forma extrema e caótica.

Seria uma ingenuidade considerar que tudo não passa de um mero desajustamento entre oferta e procura. O FMI deu essa explicação, argumentando com o aumento da procura na China e na Índia. Porém, em relação ao comportamento dos"outros" mercados, os financeiros, e do efeito que desencadeou sobre as transacções internacionais das grandes produções agrícolas, nada disse. Aliás, os dados da FAO (em: http://www.fao.org/docrep/011/ai476e/ai476e04.htm) desmentem o FMI e demonstram que a produção e o consumo de trigo e cereais secundários obtiveram, no período entre 2007/08 e 2008/09, variações próximas, com aumento dos respectivos stocks em mais de 40 milhões de toneladas.

Ora, nos EUA, o volume dos fundos financeiros de investimento nas commodities agrícolas multiplicaram-se quase 25 vezes, passando de 13 mil milhões para 317 mil milhões de dólares. Este é que passou a ser o factor novo nesta matéria. À beira da crise do subprime, os fundos especulativos refugiaram-se no mercado de futuros agrícolas, com potencial de crescimento e considerado mais resguardado da hecatombe financeira que por aí vinha. O afluxo massivo de capitais que nada tinham a ver com a agricultura criou uma enorme bolha especulativa à volta dos produtos agro-alimentares, contaminou as cotações internacionais e fez disparar os preços. Um autêntico abraço do urso.

O que está em causa é a desregulação dos mercados que permite que a especulação manipule as variações na produção e no consumo de modo a alcançar o seu objectivo único de obtenção de lucros máximos, independentemente de se tratar de uma mercadoria essencial para a alimentação. A eliminação dos mecanismos reguladores dos preços alimentares foi exigida pelo Banco Mundial, pelo FMI e pelo então GATT, agora OMC, na linha da mais pura ortodoxia neo-liberal. Os Estados não se opuseram e os especuladores não se fizeram rogados, agradeceram. Agora, não vale dizer que a culpa é do clima.

Pedro Soares