Quando o Parlamento Europeu condenou a NATO por terrorismo Versão para impressão
Terça, 26 Outubro 2010

Em 22 de Novembro de 1990, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução “protestando vigorosamente contra o facto de certos meios militares da NATO se terem arrogado o direito de levar à instalação de uma infra-estrutura clandestina de informação e de acção na Europa (…) e pedindo aos governos dos Estados membros o desmantelamento de todas as estruturas clandestinas militares e para-militares”, recordando que “nalguns Estados membros, serviços secretos militares se viram envolvidos em graves fenómenos de terrorismo ou de banditismo, como provaram diversas investigações judiciais”. (DN, 23/11/1990).

Este escândalo que abalou a Europa há cerca de vinte anos é hoje do domínio público (ainda no passado dia 15, o Canal História repetiu o documentário “O Exército secreto da NATO”), mas durante quarenta anos os altos comandos da NATO na Europa (SHAPE), a CIA, o MI6 (serviços secretos britânicos), organizaram atentados terroristas que vitimaram cerca de 800 pessoas, recorrendo a ex-nazis (alguns fugidos aos julgamentos de Nuremberga, através das “ratlines” criadas pelo Vaticano) e a grupos de extrema-direita, para incriminar comunistas e anarquistas. Só em Itália, os assassinatos, atentados à bomba e massacres tiraram a vida a mais de 600 cidadãos inocentes. A própria viúva de Aldo Moro, durante o julgamento das Brigadas Vermelhas, acusadas do assassinato do líder do Partido da Democracia Cristã (cinco vezes primeiro-ministro) mentor do “Compromisso Histórico” com o PCI (que em 1972 tinha 27% dos votos), sugeriu que procurassem os verdadeiros assassinos no seio da CIA e dos maçons. Referia-se à loja maçónica P2, organização neofascista chefiada por Lício Gelli, ex-membro dos Camisas Negras, de Mussolini, que haveria de aparecer ligada ao Vaticano no escândalo da falência fraudulenta do Banco Ambrosiano, e seria acusado pelo atentado bombista na Gare de Bolonha, em Agosto de 1980, que matou 80 pessoas e feriu mais de 150 (na altura, a polícia acusou um anarquista pelo massacre de Bolonha, que acabaria defenestrado após um interrogatório, como conta Dário Fo na peça “Morte Acidental de um Anarquista”.

O escândalo rebentou quando um juiz italiano que investigava atentados terroristas na década de setenta, descobriu, em Outubro de 1990, em documentos dos serviços secretos, indícios de um exército paralelo a operar no país. Convocados pelo Senado, o primeiro-ministro Giulio Andreotti e o presidente Francisco Cossiga confirmaram a existência, desde os anos cinquenta, de uma organização clandestina de guerrilha anti-comunista para impedir a ascensão eleitoral do PCI.

O ex-director da CIA, William Colby, confirmou as operações clandestinas “Stay Behind”, desde 1950/51, em todos os países da Europa , incluindo a Turquia e não membros da NATO, como a Espanha (que só aderiu em 1982), a Áustria, a Suécia, a Suiça e a Finlândia, alegadamente para impedir uma eventual invasão soviética: “ Os americanos deviam ter condições para accionar bandos bem organizados e armados de civis e militares”. Ainda segundo Colby, as instruções da CIA para a “Operação Gládio” (cada país tinha um nome de código para a sua rede, mas o italiano “gládio” pela dimensão que teve, passou a designar todos os exércitos clandestinos) eram claras: “É preciso reduzir as forças dos partidos comunistas, a sua influência nos governos italianos e francês e, especialmente, nos sindicatos, para diminuir o perigo de o comunismo alastrar para Itália e França, prejudicando os interesses dos EUA. O objectivo deve ser alcançado por qualquer meio”.

Foi o próprio Secretário-Geral da NATO, Manfred Woerner, quem confirmou, em Novembro de 1990, de passagem por Lisboa, a existência da “Operação Gládio” em Itália. Para além do massacre de Bolonha, a NATO é responsável pelos atentados no Banco de Agricultura de Milão, em 1969, onde uma bomba matou 16 pessoas e feriu 88 e pelo atentado na vila de Peteano que matou 3 carabinieri e serviu para perseguir as Brigadas Vermelhas (só dez anos mais tarde o juiz Casson provou ter sido cometido pelos neo-fascistas da Ordine Nuovo, protegidos pelos serviços secretos militares, integrados na “estratégia de tensão” que usava “falsas bandeiras”, para comprometer forças de esquerda ), pelo massacre da Piazza Fontana, Milão, em 1969, que provocou 16 mortos e muitos outros assassinatos e golpes de Estado.

Em 1964, a denúncia de dois jornalistas fez abortar um golpe fascista com o nome de código “Plano Solo”, planeado pelo general De Lorenzo, comandante dos carabinieri que também controlava os serviços secretos e a “Operação Gládio”, que levaria “só” 20 mil carabinieri a sequestrar e fazer desaparecer 731 dirigentes e activistas dos partidos comunista e socialista, de outros partidos de esquerda, sindicalistas, jornalistas, escritores e militares que não aderissem ao golpe que seriam levados para um campo de concentração na Sardenha. Três anos mais tarde um golpe semelhante foi bem sucedido na Grécia, impondo a ditadura dos coronéis.

Em Portugal, esta organização clandestina da NATO camuflou-se com a agência de informações Aginterpress, ligada à PIDE, mas mais dedicada a eliminar opositores ao regime ligados aos movimentos de libertação das colónias. Há indícios de que tenha estado por detrás dos assassinatos de Amílcar Cabral, de Eduardo Mondlane e de Humberto Delgado.

Em 1981, um jovem neonazi matou 13 pessoas e feriu 200 num atentado durante a festa da cerveja, “Oktoberfest”, em Munique. Depois da reunificação alemã, democrata-cistãos e social-democratas acusaram-se mutuamente de serem coniventes com a “estratégia de tensão” da NATO. Um relatório de 1990 do Parlamento belga, concluiu que os autores de atentados terroristas na Bélgica, nos anos 80, como o ocorrido num supermercado onde quatro homens dispararam sobre homens, mulheres e crianças (oito mortos e oito feridos), eram militantes da extrema-direita e “tinham impunidade garantida”. Mas em ambos os países as culpas começaram por ser atribuídas à esquerda, o que favoreceu o poder da direita e do “bloco central”.

No seu livro “Exércitos secretos da NATO: Terrorismo na Europa Ocidental” (2005), Daniele Ganser, professor de História Contemporânea na Universidade de Basileia, duvida que estas operações secretas com “bandeira falsa” tenham acabado, uma vez que EUA, Grã Bretanha e Israel têm aplicado esta estratégia (de atribuir aos outros os seus próprios actos), tanto na América latina (Operação Condor) como no Oriente (Irão, Iraque e Palestina), e os próprios massacres a 11 de Março, o de Nova Iorque e o atentado na Gare de Atocha, Madrid, que o governo do PP atribuiu falsamente à ETA, podem eventualmente incluir-se nesta “estratégia da tensão” ou “terrorismo de falsa bandeira” para justificar aos olhos da opinião pública as “guerras do petróleo” contra os países muçulmanos.

Lembram-se do caso GAL (terrorismo do Estado espanhol contra os independentistas bascos) e das ligações da embaixada dos EUA em Lisboa com a DINFO (serviços secretos militares) no recrutamento de mercenários portugueses que perpetraram atentados no Pais Basco e que um dos elementos de ligação, Mário Cunha, informador da DINFO, tinha em seu poder um ficheiro de militantes de partidos de esquerda? Pois é, “que las hay, las hay”…

Terroristas fora de Portugal! Portugal fora da NATO!

Carlos Vieira