Reparações de Guerra Versão para impressão
Quarta, 06 Maio 2015

Athen. Hissen der HakenkreuzflaggeOs gregos não esqueceram o que eles chamam "A Grande Fome". Nem mesmo o que poderíamos chamar "O Grande Roubo" se lhes apagou da memória.

 

Artigo de David Thomas

 

As SS desfrutaram da sua sede de sangue com homens, mulheres e crianças de igual forma. Enquanto lares e lojas ardiam ao seu redor como um braseiro infernal, mulheres foram violadas e as que estavam grávidas foram esfaqueadas nos seus ventres.

Crianças de meses foram assassinadas à baioneta nos seus berços. O padre da aldeia foi decapitado.

Quando os homens de Hitler abandonaram a aldeia grega de Distomo, perto da antiga cidade de Delphi, naquele sangrento dia de Junho de 1944, 218 pessoas estavam mortas.A Waffen-SS estava satisfeita com o seu trabalho: os "partisans"* locais que se tinham atrevido a atacar uma unidade alemã tinham recebido uma amarga lição como vingança.

A matança em Distomo fora tão chocante que, em 2003, um juiz de um Tribunal Federal alemão descreveu-o como "um dos mais atrozes crimes" da Segunda Guerra Mundial. No entanto, o mesmo juiz não permitiu o pagamento de qualquer compensação às famílias das vítimas pelo seu sofrimento e nem um único soldado alemão foi alguma vez punido por o que ele e os seus "comrades"* tinham feito.

O massacre de Distomo é apenas um exemplo do terrível sofrimento suportado pelo povo da Grécia durante a Segunda Guerra Mundial e, poderia dizer-se, da recusa do governo alemão em pagar pelos crimes cometidos contra os Gregos em nome da nação alemã.

Na Miséria

Inúmeras outras aldeias poderiam contar atrocidades semelhantes. Cerca de 60.000 Judeus Gregos – mais de 75% da população judaica do país – foram perseguidos e enviados para a morte nas câmaras de gás de Auschwitz e Treblinka.

Contudo, nem os massacres de aldeãos nem a limpeza étnica de Judeus foram os mais mortíferos tormentos aplicados na Grécia. Os piores crimes de guerra nazis foram principalmente económicos.

As tropas de Hitler abasteceram-se de tudo, roubando bens e alimentos em tal escala que centenas de milhares de gregos foram deixados na miséria e à fome, levando à morte quase 300.000 gregos como consequência.

Os homens de Hitler saquearam o Banco Central da Grécia, obrigando os gregos a fazer um "crédito de guerra" à Alemanha, um dos muitos "créditos" realizados durante a guerra e que até à data nunca foram devolvidos. Economistas estimam que se todos estes créditos fossem devolvidos ao dia de hoje, poderia custar ao governo alemão mais de 60 mil milhões de libras (60 biliões de libras). A memória desta farsa foi reacendida esta semana pelos gregos, exasperados pelas medidas de austeridade que lhes estão a ser impostas – principalmente pela Alemanha, que procura que a crise do Euro não se alargue e se descontrole.

Os gregos comparam agora o atual governo alemão aos Nazis que ocuparam o país no passado.

Um ano após o início da Segunda Guerra Mundial, os gregos tinham conseguido manter-se fora do conflito que se alargara por todo o resto da Europa. Hitler não estava interessado na Grécia: ele tinha peixes mais gordos debaixo de olho. Mas havia um homem que ansiava por "molhar a sopa". Benito Mussolini, o ditador fascista de Itália, estava desesperado por mostrar a Hitler que também ele podia lançar uma guerra relâmpago (blitzkrieg).

Então, em outubro de 1940, os italianos atacaram a Grécia. Conseguiram algumas vitórias no início, no entanto, depressa foram repelidos para o ponto de onde tinham partido. Em março de 1941, os italianos lançam outro ataque, mas este acaba em fracasso total. É neste momento que Hitler perde a paciência com o seu incompetente aliado e intervém. Ordena às conquistadoras forças alemãs que avancem através da Jugoslávia para sul e que ocupem a Grécia. No início de maio de 1941 a Grécia estava sob o controle das tropas alemãs.

Os Nazis passaram a tratar a Grécia da mesma forma que tratavam todas as suas conquistas: como um feudo para ser abusado e explorado.

Como explica o historiador Roger Moorhouse, autor de "Berlim em Guerra" (Berlin At war) e especialista sobre Alemanha da Segunda Guerra Mundial: "Os Nazis pilharam a Europa Ocupada de tudo o que tinha.

Estavam desesperados por manter a Frente Interna (Home Front) em prontidão. O espetro da fome na Alemanha e a perda de apoio à guerra que a tinha causado era cada vez mais uma preocupação e algo que tinha de ser evitado.

Assim, levaram mel da Grécia, trigo da Ucrânia, vinho e Cognac de França, toucinho (bacon) da Dinamarca, e assim sucessivamente. Se se era ou não compensado dependia da "raça" a que se pertencia.

Em França, onde as pessoas eram consideradas civilizadas, havia alguma probabilidade de se ser pago pelo produto, ainda que fosse a um preço pouco vantajoso.

Se se era Ucraniano, e portanto, um eslavo sub-humano, o produto seria simplesmente confiscado. Os Gregos eram, aos olhos dos Nazis, apenas uns "nada" que viviam no sul."

Como consequência, negócios, propriedades e produtos gregos, incluindo azeite, cabedal, tabaco e algodão, foram imediatamente confiscados ou comprados por uma nova moeda, quase sem valor, o "Marco de Ocupação". Entretanto, e tornando a situação ainda mais desesperada, a Royal Navy (a Marinha Britânica) montou um bloqueio à Grécia que resultou numa terrível escassez de alimentos, sentida principalmente nas grandes cidades. Em finais de 1941, a Cruz Vermelha estimava que, só em Atenas, morriam 400 pessoas por dia por inanição.

Indiferença

Os alemães responderam a este crescente desastre humanitário com indiferença. Hermann Goering, um dos homens da cúpula de Hitler e cuja debilidade por boa comida o deixara com obesidade mórbida, respondeu aos responsáveis pelos territórios ocupados pela Alemanha:

"Pouco me importa que me digam que as pessoas debaixo da vossa administração estejam a morrer à fome. Deixem-nos morrer, desde que nenhum alemão passe fome."

Os gregos não esqueceram o que eles chamam "A Grande Fome". Nem mesmo o que poderíamos chamar "O Grande Roubo" se lhes apagou da memória. Os alemães não destruíram apenas a economia grega, não confiscaram apenas todos os seus produtos e mataram à fome o povo grego. Os alemães também levaram o dinheiro dos gregos. Em fevereiro do ano passado (2010), o Primeiro Ministro Grego explodiu: "Os alemães levaram consigo o dinheiro dos gregos e nunca o devolveram".

Era prática Nazi obrigar os povos conquistados a pagarem a sua própria opressão. No seu mais obsceno, os Judeus eram obrigados a pagar o bilhete para os comboios de gado que os transportavam para as câmaras de gás. Na Grécia, o procedimento foi marginalmente mais civilizado.

Em 14 de março de 1942, uma equipa de advogados alemães e italianos, na ausência de qualquer grego, assinou um acordo que obrigava o Banco da Grécia a ceder à Alemanha um "crédito de guerra" no valor de 476 milhões de "Reichsmarks" (marcos do Reich – moeda que precede o marco alemão). E 70 anos mais tarde nem um cêntimo dessa quantia, e muito menos quaisquer juros, foram ainda pagos.

Alguns economistas (por acaso alemães) calcularam que, contabilizando apenas a inflação, este empréstimo de1942 da Grécia à Alemanha, valeria hoje 9 biliões de libras.

Mas, se adicionarmos um modesto juro de 3%, então aquela dívida aumentaria

para um exorbitante valor de 60 biliões de libras. Este valor seria suficiente para cobrir o défice fiscal da Grécia para os próximos 5 anos, dando ao país tempo para reestruturar a sua economia e para colocar as finanças públicas num patamar mais sustentável.

E não é o caso de a Alemanha não ter capacidade para cumprir este pagamento. O Bundesbank (o Banco da Alemanha) tem nos seus cofres mais de 3500 toneladas de ouro, no valor de 200 biliões de libras. Mas, deve algum desse ouro à Grécia?

Nem a Embaixada Alemã nem o Governo Alemão desejam comentar esta matéria. Mas os gregos não têm qualquer dúvida quanto à verdade. Citando um porta-voz da Embaixada Grega em Londres:

"Houve um empréstimo e nós ainda não recebemos nada de volta da parte da Alemanha. Os alemães negam-no."

Os alemães dizem: "Nós já vos ajudámos com as reparações de guerra."

"Mas aquelas reparações não são nada se comparadas com esta quantia. Houve reparações a pessoas individuais mas não à Grécia em si. Vários países da Europa receberam reparações de guerra, exceto a Grécia. Não é justo que os gregos tenham que ficar prejudicados."

Do ponto de vista dos gregos, os alemães têm sorte que a quantia em questão seja apenas 60 biliões de libras. Os gregos apontam para uma conclusão alcançada na Conferência de Paris para as Reparações de Guerra, em 1945, que declarava que a Grécia deveria receber como compensação por parte da Alemanha, de acordo com valores atuais, o equivalente a 90 biliões de libras.

No entanto, o governo grego [2011] nunca levantou esta questão durante as negociações com a União Europeia sobre a crise da dívida atual.

Coação

O primeiro ministro grego, George Papandreou [2009-2011], diz: "Seria muito fácil para pessoas de má fé interpretar esta posição como um sinal de fraqueza, ou como um álibi para evitarmos a nossa responsabilidade."

Assim sendo, poderiam os gregos levar o governo alemão a tribunal para reaverem o seu dinheiro?

De acordo com o advogado da City, Graham Defries: "Em princípio, não existe qualquer razão para que não se possa persistir numa ação deste tipo. A dívida simplesmente não se extingue. Na finança internacional, o conceito de empréstimo sem juros não existe e, legitimamente, não pode ser descrito como um empréstimo se o dinheiro foi obtido através de coação. Então, é um crime e, portanto, não está coberto por reparações anteriores."

Por outras palavras, o governo alemão poderá ter um dever moral em devolver aos gregos o seu dinheiro. Poderá também ter um interesse económico em fazê-lo, visto que um incumprimento grego poderia custar à economia alemã muito mais do que 60 biliões de libras.

Artigo de David Thomas, publicado em Daily Mail, a 2/11/2011.

Tradução de Maria Celeste R. Santos a 08/04/2015.

*partisans – membros da resistência armada

*comrades – membros da mesma unidade militar