Violência de Género: não ao fatalismo! Não à anestesia! Versão para impressão
Segunda, 24 Novembro 2014

Braçadeira feministaAflige-me a banalização, a naturalização, a normalização das violências sobre as mulheres.

 

Artigo de Almerinda Bento

Desde que me conheço enquanto feminista e activista dos direitos das mulheres, que têm sido muitas as vezes que tenho falado e escrito sobre a violência ou as violências sobre as mulheres. Aflige-me constatar que por muito que se fale e por muitas vezes que se fale, o tema nunca está esgotado, antes parece que se reproduz e nunca tem fim à vista. Aflige-me a banalização, a naturalização, a normalização do problema.

"Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar" lembram-se da canção? Mas o mal é que se ignora. A violência de género entrou na rotina e anestesiou as sociedades. Estamos de fora, não nos afecta a nós. Mas será mesmo assim? Pode-nos vir a afectar – os números dizem que em 3 mulheres uma já foi ou será vítima de violência – mas mesmo que não nos afecte, intervir, denunciar, apoiar e lutar pela erradicação são deveres da cidadania e de uma sociedade decente. São conhecidas experiências que mostram como as pessoas fingem desconhecer, tapam os olhos, evitam encarar e denunciar situações de violência que estão logo ali na casa ao lado, na rua por onde circulamos, dentro do elevador. Temos que "meter a colher", ser definitivamente intolerantes para com a violência.

Por esta altura, os media buscam avidamente notícias, números, casos, testemunhos, aguardando o melhor ângulo para fazer a melhor caixa. Num ano os dados apontam para uma diminuição, no outro há um aumento e assim sucessivamente. A frieza dos números – registadas 27 318 participações de violência doméstica por parte das forças de segurança, segundo o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2013 (1), de que resultaram 40 homicídios conjugais (30 mulheres e 10 homens) – tem de ter uma tradução nas consciências de que são PESSOAS que foram maltratadas e a algumas foi mesmo retirado o direito básico a viver. Sabemos que o aumento das participações corresponde a uma maior consciência dos direitos que levaram a que alguém deixasse de ter vergonha, que alguém decidisse intervir, que alguém deixasse o silêncio e pedisse ajuda. Sabemos que o facto de haver mais participações não significa que agora há mais violência do que antes. Não. Agora há mais consciência dos direitos, as campanhas e as organizações de direitos das mulheres têm feito um caminho, mas é impossível que esta constatação nos satisfaça. Uma que seja é uma vida que foi abusivamente retirada. "Nem mais uma!" é a campanha das feministas bascas da Marcha Mundial das Mulheres que exibem uma braçadeira e vão para a rua, sempre que uma mulher é morta.

Segundo dados do RASI do primeiro semestre de 2014, as polícias receberam 13 071 participações, ou seja, 73 queixas por dia, isto é, 3 queixas por hora.

No Relatório Intercalar de 2014 do OMA (2), referente ao 1º semestre de 2014, são registados 24 femicídios e 27 tentativas de femicídio. Quer nos casos consumados, quer nas tentativas de homicídio, surge em evidência um historial de presença de violência doméstica na relação de conjugalidade ou de intimidade entre a vítima e o agressor.

No dia 25 de Novembro, Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres (3), a UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta – irá divulgar os dados do Observatório das Mulheres Assassinadas (OMA), mas já em final de Outubro deste ano fez uma iniciativa simbólica em frente à Maternidade Alfredo Costa para lembrar as 33 mulheres assassinadas ao longo deste ano até àquela data e as 382 mortas nos últimos 10 anos, desde que o Observatório existe. A maioria dos casos ocorreu na família em relações íntimas presentes ou passadas. Uma verdadeira guerra civil no lar, aquele sítio que, à partida, imaginamos como o mais seguro e aprazível para se viver!

A violência contra as mulheres é um problema de poder, de justiça, de igualdade, de educação, de segurança e deriva de uma discriminação de género que está na base da sociedade patriarcal em que vivemos. Quando lemos as notícias, é recorrente surgir o ciúme, as atitudes possessivas, o controlo, a incapacidade de lidar com o sentimento de perda como "explicações" para as femicídios. Como o Observatório das Mulheres Assassinadas da UMAR refere no seu relatório do ano passado, há que desfazer alguns mitos e narrativas que tentam explicar e desculpabilizar este crime: o alcoól, a crise. Certamente que a crise é potenciadora de atitudes de frustração, depressão e revolta, mas não é determinante nem pode ser desculpa para a consumação de crimes.

Temos leis. Temos planos contra a violência de género. Mas não podemos tolerar o massacre que é a vida, as vidas de milhares e milhares de mulheres. A lei não basta; por isso, os membros da sociedade têm que intervir, denunciar e não fechar os olhos. A prevenção é fundamental, as campanhas, todos os meios que eduquem para o respeito, a não discriminação, a cidadania têm de ser constantes e eficazes. A justiça tem que ser rápida e tem que dar sinais claros de que protege as vítimas e pune os agressores.

A violência mata! Basta! Nem mais Uma!

Almerinda Bento

Novembro de 2014

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Referências

1 - Relatório Anual de Segurança Interna 2013

2 - Observatório de Mulheres Assassinadas da UMAR – Relatório Intercalar 2014 www.umarfeminismos.org

3 - Desde 1999 que a ONU instituiu a data do 25 de Novembro como Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres. Data para mobilizar a sociedade em todo o mundo e data escolhida para homenagear as três irmãs Mirabal, activistas na luta contra o ditador Trujillo da República Dominicana, mortas nesse dia no ano de 1960.