A direita reconhece unânime, que a esquerda tinha razão Versão para impressão
Terça, 12 Julho 2011
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 “Contra a Moody’s, marchar, marchar!” bem poderia ser o estribilho do novo hino patrióticodo levantamento nacional contra as agencias de rating, à semelhança da versão popular d’ A Portuguesa: “contra os Bretões, marchar, marchar”.

Artigo de Carlos Vieira e Castro

 

 

Desde o “Ultimatum” que a Grã-Bretanha fez a Portugal, em 1890, obrigando-nos a abdicar dos territórios africanos entre Angola e Moçambique (“Mapa Cor de Rosa”), que não se via os portugueses irmanados numa tão incontida indignação nacional. “Contra a Moody’s, marchar, marchar!” bem poderia ser o estribilho do novo hino patrióticodo levantamento nacional contra as agencias de rating, à semelhança da versão popular d’ A Portuguesa: “contra os Bretões, marchar, marchar”.

Até o Presidente da República, que em Julho de 2010 dizia que “não vale a pena recriminar as agências de rating”, vem agora acusá-las de serem “uma ameaça à estabilidade da economia europeia”. O presidente do Governo Regional da Madeira garantiu que as agências de notação não entram mais na administração pública da região, boicote que já encontrou aliados nas Câmaras de Lisboa e do Porto, pelo menos em relação à Moody’s.

Quando o PCP e o Bloco de Esquerda defendiam a criação de uma agência de notação europeia pelo Banco Central Europeu, e apresentavam como alternativa à intervenção da Troika e às politicas de austeridade, a emissão de obrigações europeias (os chamados eurobonds) e a reestruturação da dívida, foram acusados com o dedo em riste a apontar: “cuidado com a esquerda radical!”.Agora, é a própria Comissão Europeia que admite a criação de uma agência independente, a emissão de eurobonds é defendida no Finantial Times e no The Economist, e a reestruturação da dívida já é admitida por Bagão Félix, Medina Carreira e António Vitorino.

A verdade é que o próprio presidente Cavaco Silva já veio justificar a sua contradição com o facto de só agora existir “um reconhecimento europeu de que as agências de rating constituem uma ameaça.” - Chamo a isto “a coragem do rabejador”. O primeiro-ministro reagiu à desqualificação para o nível de “lixo” da dívida portuguesa, caracterizando-a como “um murro no estômago” (no dele).Talvez para justificar o “murro no estômago” (no nosso) que constituem as medidas de austeridade que o governo PSD/CDS adiantou, para lá das que tinham sido acordadas com a Troika, na convicção de que quanto mais dinheiro conseguisse sacar dos nossos bolsos e quantas mais empresas públicas lucrativas (ainda que estratégicas para a nossa soberania) vendesse a preço de saldo para o capital privado, mais acalmaria o apetite voraz das piranhas financeiras. Pura propaganda, como se vê. Quando em 11 de Abril deste ano quatro economistas portugueses (dois da Universidade de Coimbra e dois do Instituto Superior de Economia e Gestão) entregaram uma petição (que já recebeu dez mil e duzentas assinaturas) na Procuradoria Geral da República, com um pedido de inquérito contra as três agências de rating, Moddy’s, Standard & Poor’s e Fitch, que acusavam de distorcer o mercado para benefício dos seus próprios accionistas, a notícia passou despercebida no comunicação social, quem sabe se por um dos economistas ser o então líder parlamentar do Bloco de Esquerda, José Manuel Pureza.

Agora, é o próprio jornal I que organiza uma petição contra a Moody’s, reclamando um processo judicial por parte dos Estados e da Comissão Europeia responsabilizando este oligopólio pela destruição da economia europeia. Recorde-se que a Moddy’s ameaçou baixar a notação da Islândia para o nível “lixo” se o Estado islandês se recusasse pagar o buraco financeiro dos bancos privados, mas os contribuintes islandeses optaram por prender os banqueiros que provocaram a crise e por sair da recessão investindo no crescimento económico e na criação de emprego. É por isso que não basta reagir gritando contra a Moddy’s, que segundo as leis do mercado até tem razão: é como se, ironicamente, os mercados soubessem aquilo que os governos parecem não querer ver: a austeridade mata o crescimento - mais austeridade, mais recessão, e mais dificuldade em pagar a dívida. Sigamos a lição dos portugueses de há 120 anos atrás, que não se limitaram a vociferar contra o ultimato inglês mas lutaram pelo derrube da monarquia, substituindo-a por um regime que, apesar de todas as desilusões, haveria de trazer mais liberdade, mais igualdade e mais justiça económica e social.