O neoliberalismo ou a arte de vender peixe Versão para impressão
Terça, 05 Julho 2011

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O neoliberalismo não é só uma teoria económica e de Estado, é também uma narrativa da História e de legitimação política. Na sua narrativa, a desigualdade não é apenas inevitável, é o próprio motor do desenvolvimento. A igualdade gera preguiça, a concorrência soluções. A cooperação gera laxismo, a competição inovação. Ao mesmo tempo, a promessa da bonança para os audazes movimentou as massas e ia amenizando a catástrofe social com o rótulo “falhados do regime”.

 

Contudo, a socialização dos prejuízos dos gigantes da finança transformou em insulto o chavão neoliberal “o Estado fora da economia”. A crise tornou bem evidente a realidade. Não se trata de mobilidade social, mas sim da acumulação de capital através da globalização e aprofundamento da concorrência laboral e da entrega a privados dos serviços públicos e dos monopólios naturais.

 

Assim, numa Europa dominada pela direita, já não encontra facilmente no seu discurso as típicas loas ao self-made made man do faroeste. Da dominação cultural à económica, a conversa é outra. A liberdade continua a ser palavra central, associando-se agora ao conceito de igualdade. Todos temos direitos iguais, portanto devemos todos ser livres de nunca usar véu. Deve haver igualdade no acesso à escola, portanto devemos ser livres de optar entre a escola pública e a privada com o Estado a suportar os mesmos custos em ambas. A solução apresentada continua a mesma, mas a forma de a legitimar socialmente mudou.

 

Em Portugal, já o sabemos, somos dos primeiros a sofrer o impacto das crises, mas dos últimos a receber as novidades. Não admira assim que Passos Coelho ainda se apresente em registo ultra-neoliberalismo. Mas nem o seu disco riscado chega a todas áreas da governação.

 

Os trabalhadores com salários superiores a 3.400 euros vão deixar de descontar para a Segurança Social, passando a investir em fundos privados. De um ponto de vista neoliberal, cada cidadão tem a liberdade de escolher o seu plano de reforma, no público, no privado ou nenhum se assim o entender. Para mais, o Estado não deve ter este “negócio”, deve deixá-lo aos privados que o fazem melhor e com isso até fazem avançar o mundo. Contudo, face à falência dos fundos de pensões revelada pela crise, do aumento do desemprego e da crise social esta era de facto uma história difícil de vender. Assim, o governo de direita despe a roupagem e explica: é em nome da sustentabilidade futura da segurança social, que assim se libertará de pagar pensões altas. É uma medida fulcral para a defesa do serviço público.

 

É óbvio que o que está em causa é retirar fundos à segurança social pública, estrangulamento agravado ainda pela drástica redução da taxa social única prevista para breve. Com esta medida, parte do dinheiro recebido pelo trabalho é imediatamente metido na máquina da finança. A médio prazo, o trabalhador não terá opção senão a liberdade do mercado para “investir” a sua reforma. Assistimos à morte da segurança social, gradualmente assistencialista e exclusiva para pobres. Mas perante este cenário até o mais neo dos neoliberais diz que o faz para salvar o serviço público. Este é apenas um dos pequenos exemplos da direita que busca uma nova hegemonia ideológica. De momento vende o mesmo produto com outro discurso. Enquanto isso procura um novo produto que volte a levantar as massas.

Nelson Peralta