A independência dependente Versão para impressão
Quinta, 23 Junho 2011

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A falta de sensibilidade com os independentes é uma dificuldade recorrentemente apontada à esquerda. Agora, depois dos maus resultados nas últimas eleições legislativas, essas críticas renovam-se e tentam ecoar dentro do BE.

Rui Tavares e Daniel Oliveira têm evocado o “caso” José Sá Fernandes  para justificar essa crítica. O uso dessa referência só colhe em campos de falta de informação sobre o processo ou de falta de formação política.

Os independentes só o são na sua distância às organizações, não à política. É essa que lhes dá visibilidade nos seus trajetos políticos “independentes”. Foi assim com o JSF, na sua atividade de advogado em defesa de causas sociais (ex: moradores de Outurela contra a Câmara Municipal de Oeiras pela mudança da ribeira da Outurela; moradores contra a construção da CRIL; ou o célebre o caso da Bragaparques) e com o Rui Tavares na suas posições como comentador e fazedor de opinião. Nas suas independências, ambos se afirmaram nas opções políticas e opiniões que foram emanando. Foram dessas, avaliadas nos seus contextos, que levaram a aproximação do BE a estes independentes e levaram a constituir projetos comuns.

Ao contrário do que advogam estes críticos, que põem o enfâse na relação dos agentes políticos com as organizações (partidários vs independentes), há que recolocar no centro o que está realmente no centro destas divergências que é exatamente o que criou as convergências em 1º lugar: a Política.

Falarei só do “caso” que me é caro e que posso testemunhar, o do Vereador independente eleito pelo BE, José Sá Fernandes. Após o acordo assinado entre o BE e o PS (arrancado a ferros ao BE), o Vereador JSF acolheu a pasta do Ambiente, Espaços Verdes e Plano Verde (homenageando e prestigiando uma das bandeiras de campanha: o Plano Verde do Arqº. Ribeiro Telles). A articulação com o PS mostrou-se necessária pela parte funcional da função mas era facultativa na parte das escolhas políticas. JSF foi paulatinamente afastando-se do programa e perfil político que o tinham levado à eleição nas listas do BE, aproximando-se das opções políticas do PS. Testemunho disso mesmo foram as posições tomadas pelo Vereador em relação ao terminal de contentores de Alcântara, a votação do Rock in Rio (a 2ª votação), o aluguer da Praça das Flores ou até na sua capitulação na defesa do maior trunfo de campanha: o do respeito pela traça ecológica da cidade, o Plano Verde; uma lista interminável de posições retiraram ao Vereador JSF qualquer capacidade de oposição ou de sequer de crítica ao rumo da CML. Perante tal adulteração do contrato eleitoral, o BE tinha de escolher: ou suportava o nome de JSF esvaziado da política que o elegeu ou valorizava a política. O BE escolheu a 2ª e ainda bem. Assim respeitou o eleitorado, a organização partidária e o próprio trajeto do Vereador JSF na sua defesa dos moradores, dos bairros e da cidade.

No trato com o Vereador Independente eleito nas listas do BE, foram registados muitos momentos de insensibilidade e de falta de diálogo; TODOS da parte do Vereador. Foram incessantes as tentativas de diálogo, intermináveis as horas, dias e meses de espera pela disponibilidade de diálogo do Vereador. Impenetrável e inantingível foi sempre o Vereador (só para o BE, porque com os Vereadores do PS tinha pelo menos uma reunião semanal para além da reunião de Câmara).

Os independentes foram, são e serão sempre dependentes da política. As opções que tomam são inscritas no lado público da vida, do lado político e serão avaliados politicamente por isso. Esconder as divergências políticas atrás de formatos de relação é epidérmico, levando o debate político para o estilo fulanizado, politicamente vazio; muito igual ao propagado nos mídia mainstream em relação aos outros partidos. A conjuntura política está polarizada pelas imposições de crueldade social da Troikadura. A conjuntura requer posições políticas claras. É a dependência dessas posições face à política que serão analisadas, venham elas de independentes ou partidários.

Rui Tavares tem no entanto razão ao afirmar à Lusa  que o BE: “Não aprendeu, nitidamente não aprendeu a lidar com independência nem com independentes.”

De facto o BE ainda tem dificuldade em manter fiel aos programas políticos sufragados algumas personalidades “independentes”. Que o diga o eleitorado que votou no BE para o PE e viu um dos seus deputados a votar pela exclusão da zona aérea na Líbia, abrindo caminho para a intervenção da NATO. Como se as bombas da NATO não sejam tão letais como as outras (devem ir lá pelo cheiro a caril – como no sketch dos Gato fedorento, O homem de Alfama).

Espera-se que estas eleições tragam um debate profundo, sério e sereno sobre o futuro do BE. Sem escamutear ou cercear os debates que se querem urgentes: o do debate interno (o aprofundamento da democracia deve estar sempre presente no debate); a estrutura do partido como meio amplificador da mensagem (partido de quadros ou partido de massas), a relação com os movimentos sociais e a relação da esquerda com o Poder; os miltantes e simpatizantes devem conduzir um debate responsável e profundo pois o tempo é de cuidar do BE.

Rui Abreu