Da greve geral à globalização das lutas Versão para impressão
Terça, 14 Dezembro 2010

A greve geral teve um saldo bastante positivo. Mas esse saldo foi consequência de condições objectivas novas e traz novos factores que importa considerar. Em Portugal como na Europa há um caminho pela frente.

 

1. A política neoliberal amplia contradições e abre novos espaços

As escolhas políticas do governo ditaram o aumento da contradição entre a burguesia e as classes populares. Assumindo a protecção dos especuladores financeiros através da depauperação do Estado – como no escândalo BPN -, assumindo o descarregar da crise sobre os ombros da população através do aumento do IVA, do congelamento das pensões, do aumento dos medicamentos e da retirada e diminuição de variados apoios sociais (veja-se o abono de família), enquanto facilitava a fuga fiscal das grandes empresas, assumindo as privatizações para desta forma alimentar o financiamento do défice e transferir mais propriedade e poder estratégico para o sector privado, assumindo o corte nos serviços públicos em nome da sua rentabilização e defesa para assegurar novas transferências de capital para a burguesia de que são exemplos as parcerias público-privadas – ferramentas de ilusionismo de massas mas verdadeiramente de roubo descarado de fundos públicos -, assumindo como intocáveis as despesas com a guerra e a NATO, assumindo o ataque aos trabalhadores da função pública impondo a redução de salários e tentando propagá-la ao sector privado, assumindo um orçamento que corta nas despesas culturais, o governo acentuou a injustiça na economia.

As escolhas do governo criaram um vasto leque de descontentamento social que alastrou pela pequena burguesia e por sectores menos tocados pelas políticas neoliberais, como são o caso das profissões de salários mais altos e dos agentes culturais.

O amadurecimento das condições objectivas foi decisivo para o êxito da greve. Precipitá-la, como alguns queriam um ano antes, era condená-la a mais uma aventura irresponsável, esquerdista, e cujos frutos seriam saboreados pelo governo. Os que fazem da luta de classes uma proclamação oca de slogans (como alguns grupos da LIT), isolada da consciência e das condições dos trabalhadores, provocam a divisão na classe e isolam as já pequenas vanguardas tornando-as mais frágeis perante o ataque burguês. A sua insignificância sindical e a sua nulidade política não lhes permitem causar maiores prejuízos ao movimento dos trabalhadores.

Os dias pré-greve foram ainda marcados pelo anúncio do crescimento da pobreza, do desemprego, de sucessivos e arbitrários despedimentos colectivos e contínuas pressões nacionais e internacionais para a ”flexibilização do mercado de trabalho”, tendo em vista a facilitação processual dos despedimentos, a diminuição do valor das indemnizações e também a exigência de novas medidas governamentais ainda mais gravosas. Acresce a falácia, imediatamente desmascarada, de que sem a aprovação do Orçamento de Estado os juros da dívida subiriam e o “papão” FMI entraria em Portugal. Não só os juros da dívida subiram imediatamente à aprovação do orçamento na generalidade, voltaram a subir a seguir à aprovação na especialidade, como novas exigências surgiram sempre em nome da estabilidade dos mercados; uma espiral que não terá fim.

Perante o visível crescimento da polarização o governo desvalorizou a greve e declarou-a inútil para a alteração do seu rumo político. Este cenário, já visto em greves e lutas sociais muito mais radicalizadas como as da Grécia ou de França, tornou claro à maioria da população que a greve assumia cada vez mais um carácter de protesto e de dignidade social – um protesto contra a injustiça na economia; por isso mesmo ela era necessária independentemente da relação de cada trabalhador com a sua entidade patronal.

Para as massas ficou claro que este protesto era uma greve política e essa foi uma das razões do seu sucesso. A dificuldade dos partidos e protagonistas de direita se posicionarem contra a greve é bem o exemplo da amplitude política que garantiu o seu sucesso político.

Esta greve geral foi uma greve política e defensiva. Ninguém estava à espera da queda do governo, de um ministro qualquer ou de uma medida qualquer. A greve não pediu a demissão do governo, nem tinha condições políticas para isso. Estamos num período de resistência e de procura de contra-ofensiva.

O PS reagiu a esta greve com o apelo à concertação social – pareceu o apelo de um derrotado que pede uma trégua para se recompor. Não porque o movimento esteja numa fase de larga ascensão capaz de fazer recuar a trincheira burguesa, mas porque o apelo à concertação, vindo de uma deputada de segundo plano, é mais um elemento da vacuidade social-liberal no bárbaro capitalismo financeirizado. Na verdade, foi o PS que abandonou a concertação – mesmo sendo ela uma caricatura grotesca.

A arrogância do governo e a dureza das suas políticas não davam espaço político a ilusões de concertação social e foi o próprio governo que anulou o “valor de uso” da UGT. O sucesso da greve parece ter obrigado o governo a voltar a apregoar a concertação.

 

2. Novos elementos na luta

Se é verdade que há 22 anos a UGT não se juntava a uma greve geral é positivo que o tenha feito e esse facto revela mais uma vez a amplitude política do protesto e a dificuldade da UGT em se colocar fora desse espaço político. Realça-se que a UGT apoia uma greve geral contra uma Ministra do Trabalho que foi Chefe do Departamento Internacional da UGT, em 1988-1991, e era Secretária Geral Adjunta Confederação Europeia de Sindicatos antes de ingressar no governo.

A mediatização do provável sucesso, para a qual a amplitude política e social foi decisória, antes da realização da própria greve foi um elemento novo e fundamental – a greve estava quase ganha antes mesmo de começar. Os dias e semanas que marcaram o período prévio foram marcados por anúncios de adesões muito significativas pela posição estratégica que os sectores detêm na sociedade, nomeadamente os variados sindicatos de transportes e os ligados aos serviços públicos. O anúncio da pré-adesão dos trabalhadores do parque industrial da Autoeuropa, em particular os desta empresa apesar de um positivo e significativo acordo salarial, marcaram politicamente uma atitude e referenciaram um caminho que influenciou os trabalhadores do país.

A mediatização reforçou a imagem positiva, trouxe a Portugal vários órgãos de imprensa, nomeadamente TVs, e propagou uma imagem positiva dos resultados da greve. A mediatização e as sinergias induzidas pela certeza do encerramento de escolas e outros serviços de apoio social influenciaram os trabalhadores à greve. É também um facto que o trânsito fluiu mais facilmente, os transportes públicos em serviços mínimos ou fura-greve levavam poucos passageiros e todos os comerciantes se queixaram de uma grande diminuição do número de clientes.

Nesta greve foi clara a diminuição da participação do sector industrial. É verdade que inúmeras e emblemáticas grandes empresas deixaram de existir, que a mobilização e a contratação colectiva perderam capacidade perante a ofensiva da individualização da contratação e da precariedade, mas é um ponto fraco que merece reflexão.

O papel dos piquetes de greve merece uma análise cuidada quanto à sua importância para o sucesso da greve. A sua intervenção, nalguns casos, em conjunto com activistas sociais ligados aos movimentos dos precários potenciou o protesto em locais onde a precariedade e os baixos salários são inibidores do direito à greve. Por outro lado a sua menor quantidade pode ser um sinal de que a vanguarda da classe trabalhadora é menos numerosa e mais desgastada pelos despedimentos, pela precariedade, pela perseguição patronal e até por um certo isolamento da classe criado pela última “espécie de greve geral” em Maio de 2007. É também um sinal da menor sindicalização e da maior dificuldade de acção sindical dentro das empresas.

Na próxima greve deve haver um ainda maior cuidado na definição quanto aos locais e empresas onde os piquetes vão actuar, no número de trabalhadores/activistas neles envolvidos e no próprio papel a desempenhar.

Pode dizer-se que a greve foi mais tranquila e mais alegre. Essa “tranquilidade” foi um factor positivo no sentido em que desmistificou a greve geral como um acto quase “insurreccional” de confronto físico alargado (predominavam as imagens das greves gerais na Grécia), o que em Portugal, nesta fase, facilita a adesão das massas e baixa o “grau de exigência” para se poder participar na greve.

A greve foi mais alegre pois, pela primeira vez, realizaram-se concentrações em várias cidades e provou-se que é possível e necessária a presença das massas na rua para darem o sinal da força que a greve precisa. As concentrações dos precários e intermitentes do espectáculo no Rossio ou o concerto do Sindicato dos Professores na Praça da Figueira [Lisboa] provaram que havia condições políticas para um passo mais audacioso.

Esta greve realizou-se ainda num momento maior em que toda a demagogia, chantagem e lavagem cerebral era descarregada em cima dos 10 milhões de residentes no país. Num momento em que a greve se tornou num acto de coragem pois a sua adesão pode significar o imediato despedimento ou não renovação do contrato precário ou do recibo verde. A greve venceu o medo, apesar da menor adesão nas pequenas empresas e nos sectores mais afectados pela precariedade. E nos tempos que correm não é fácil perder um dia de salário!

A simpatia da população para com a greve dá força à luta dos trabalhadores, torna-os mais fortes e é um facto de capital importância. E é-o também porque as greves económicas têm vindo a diminuir sistematicamente e a perder nos seus objectivos de luta.

Poderá acontecer que não sejam as greves económicas, enquanto greves de empresa ou sector de actividade por aumentos salariais, que impulsionem as greves políticas e que – talvez fruto das actuais características do neoliberalismo – sejam as greves políticas que impulsionem as greves económicas, ou as transformações políticas que facilitem a luta económica em cada empresa ou sector.

Esta perspectiva tem uma consequência: os sindicatos tendem a perder papel face às centrais sindicais e estas têm um acrescido papel político nas relações sociais e na luta política.

A greve valeu mais pela qualidade da sua influência na luta política do que pela quantidade da adesão. E foi um despertar que ajudará a abrir novas portas à luta. Podemos afirmar que a consciência de classe deu um passo em frente.

 

3. Políticas em Portugal, como na Europa

As políticas da esquerda são coerentes em Portugal como na Europa. Colocamo-nos na oposição ao neoliberalismo, não possuímos ilusões em governos social-liberais (cujos exemplos na Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Grécia, Irlanda, Espanha ou em Portugal) foram e são de destruição de conquistas democráticas e do Estado social - com consequente abertura de portas para a direita subir ao poder. Lutamos pelos serviços públicos e pelo papel social do Estado, estamos do lado dos trabalhadores contra o aumento da taxa de exploração, estamos do lado da paz contra o imperialismo e as suas guerras concretizadas pela NATO no Afeganistão ou no Iraque.

A crise prossegue e agudiza-se na Europa, tornando-a um elo mais fraco no imperialismo, colocando em causa os pés de barro do Tratado de Lisboa e as políticas monetárias europeias. A União Europeia está rendida aos especuladores que desferem golpes cada vez mais fortes nas dívidas soberanas. O BCE insiste na sua política terrorista contra os povos e a “Kaiser” Merkel, enquanto representante do capital alemão, não vê qualquer problema em que o FMI se instale nos países em maior dificuldade.

Os governos nacionais, fortemente pressionados pelo eixo Paris-Berlim, descarregam a crise sobre a população e transferem quantias colossais de verbas para salvar o sistema financeiro que se tornou o eixo do capitalismo.

Talvez seja necessário recuar quase 100 anos na história para encontrar um período em que seja tão claro o papel do Estado enquanto máquina de serviço à burguesa para o domínio e opressão de massas. Se há virtude nos tempos actuais, se há virtude na proletarização geral das massas incluindo a pequena burguesia, ela está na crescente visibilidade e amplitude da contradição entre o trabalho e o capital. Se há um fantasma que assola a Europa ele chama-se desemprego.

É pois natural que rebentem novas lutas sociais, agora lutas estudantis na Inglaterra e na Itália, e que a exemplo da França são muito importantes pelas novas energias que trazem à luta, pela solidariedade entre estudantes e trabalhadores e pelo valor ideológico da defesa dos sistemas públicos de saúde ou segurança social. A brutalidade das medidas na Irlanda talvez faça do país o novo lugar da luta social à esquerda.

 

4. Saídas para a luta, na Europa como em Portugal

A energia dos movimentos sociais foi muito castrada pelos governos de Prodi e Lula. O recente Fórum Social Europeu decorreu em clima de agonia e desorientação política geral – sem saídas para a luta a não ser o apoio simbólico, ao positivo dia de luta europeia de 29 de Setembro passado, convocado pela CES.

A Confederação Europeia de Sindicatos está tomada por apoiantes das políticas social-liberais e dela não se pode esperar grandes impulsos à luta social.

No entanto [no momento em que se escreve este artigo] a CES acaba de convocar nova acção de luta a nível europeu para o próximo dia 15 de Dezembro, véspera do Conselho Europeu; estão já marcadas, pelas centrais sindicais, manifestações em Berna, Luxemburgo, Praga e Bruxelas; certamente muitas outras acções se irão realizar por essa Europa fora. Estas manifestações precisam de uma marca: contra o FMI.

Em Portugal, dando continuidade à vontade de luta demonstrada na greve geral, a acção deve ter expressão de rua onde se possam juntar todos aqueles que nela queiram participar.

Em Portugal, apesar das contínuas turbulências internas no PS, o governo pode avançar com novo pacote laboral, de facilitação dos despedimentos, de diminuição das indemnizações (…) anunciado como medida tampão à entrada do FMI. Caso isso aconteça só há uma resposta possível para o movimento sindical NOVA GREVE GERAL – com ou sem a adesão da UGT.

É preciso desmascarar o mito dos mercados, é preciso desmascarar a aliança PS-PSD – esta é a política do FMI.

Estamos num momento em que o PS perdeu o seu programa de governo e as sondagens dão continuas subidas à direita – consequentes com a subida da direita em toda a Europa.

Por tudo isto, é preciso ampliar e forçar a uma melhor coordenação das lutas a nível europeu. Os activistas e organizações que valorizam a luta social europeia e actuam no seio da CES, como a CGTP, têm de dar uma contribuição mais forte, eficaz, consistente e solidária para uma resposta mais forte e unida dos trabalhadores - não só em cada país mas em toda a Europa.

As lutas desenvolvidas na Grécia ou na França assumiram características bastante radicalizadas mas perderam no objectivo de derrotar as políticas dos seus governos. Mas isso acaba por ser o somenos – o fundamental é que sinalizou a importância da luta social e da acção popular para enfrentarem os seus governos.

Se há lição que se começa a propagar pela Europa é a de que a luta tem que ter resposta europeia. Os planos neoliberais são construídos e decididos numa linha política e ideológica europeia. Todas as principais medidas de apoio ao capital financeiro são decididas no Conselho de Ministros Europeus com o acordo da Comissão Europeia e a supervisão da Sr.ª Merkel, as respostas ao ataque às dívidas soberanas são decisões europeias coordenadas; tal como a política do Banco Central Europeu cada vez mais importante no resgate dos títulos de dívida pública através dos mercados ditos secundários assegurando mais um fortíssimo financiamento da banca especuladora. Sôfregos de exploração, os mercados impuseram à Europa a fiscalização prévia dos Orçamentos de Estado nacionais e abrem nova frente de guerra exigindo a revisão das leis de trabalho e a baixa dos salários.

Face às medidas que a União Europeia pretende impor aos chamados PIIGS (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha), faz sentido que as forças sindicais destes países não fiquem à espera dos países do Norte Europeu e coordenem acções comuns que potenciem a contestação dos povos às medidas neoliberais. Ao mesmo tempo será incentivo para uma luta ainda mais abrangente em toda a Europa.

A luta global que os trabalhadores e os povos estão a travar contra estas políticas de austeridade, de corte nos salários, de aumento do desemprego e de delapidação do Estado Social, vai ser dura, difícil e prolongada – mas é fundamental construir resposta. A resposta implica juntar forças. Juntar forças é um problema candente que exige solução.

Juntar forças nos partidos anti-liberais e anti-capitalistas sem vozes de comando nem “internacionais” que preencham frustrações consecutivas, construção de pontes de acção e proposta comum europeia. A resposta política europeia só poderá ter sucesso se tiver centro político na oposição a este capitalismo realmente existente e posição política construída a partir de um consenso mínimo unificador e não de um programa máximo por muito revolucionário e radical que seja.

Juntar forças nos movimentos sociais implica novas redes de comunicação entre movimentos, comunicação sem receios nem sobreposição de causas, sem objectivos de construção de um programa reivindicativo onde conste todas as reivindicações, mas também ele concentrado na essência da oposição ao neoliberalismo. Teremos muito tempo para discutir pontos de chegada, urge construir um ponto de partida e uma acumulação de forças.

A UDP – AP na sua 3ª Conferência Nacional em 2008 e o Bloco de Esquerda na VI Convenção Nacional em 2009 consideraram a necessidade duma resposta global para afirmação política da esquerda e apontavam para a importância de juntar forças na Europa.

Hoje é o tempo para que todas as forças políticas e movimentos sociais e todos os envolvidos nas lutas anti–liberais, se encontrem e debatam de forma aberta tácticas e alianças que lhes permita responder melhor a este avanço do liberalismo e da guerra imperialista.

Está na hora de “fazer a luta toda”.

Francisco Alves e Victor Franco