ABC de uma Europa em crise... Versão para impressão
Sábado, 16 Outubro 2010

1. Paz de Carvão e Aço?

No contexto da pós II Guerra Mundial, com a devastação da Europa e pressão da emergência do bloco de leste, a França e a Alemanha acordam criar uma Alta Autoridade, de carácter supranacional, para o carvão e o cço. Conforme a Declaração Schuman (9 maio 1950): “A solidariedade de produção assim alcançada revelará que qualquer guerra entre a França e a Alemanha se torna não só impensável como também materialmente impossível”. O apelo dirigia-se não só à Alemanha mas também aos demais Estados europeus.

A assinatura do Tratado de Paris em 1951 (entre a França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Itália), ao criar a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, iniciou um processo de ‘fusão de interesses’ pela ‘delegação de soberania num domínio limitado’ - Jean Monet. Os mesmos seis estados, em 1952, assinam um novo Tratado de Paris visando a criação da Comunidade Europeia de Defesa (CED) e posterior integração das comunidades numa Comunidade Política Europeia. Esse projecto será chumbado pela Assembleia Nacional Francesa, a qual não ratifica o tratado.

Após aquele fracasso no domínio da defesa, em 1957, conhecem-se novos avanços com os tratados de Roma. Os tratados de Roma, entre os mesmos seis estados, alargam o âmbito da delegação de soberania económica com a criação da Comunidade Económica Europeia (CEE) e da Comunidade Europeia de Energia Atómica (Euratom). O processo de fusão de interesses progredirá através da 'ramificação' que (necessariamente) se desenvolveu a partir do eixo económico.

Como vimos no fracasso da CED, o interesse particular dos estados e dos seus líderes, que pretendem reservar para si as competências em matéria de defesa e política externa, impediu a integração nesta área. O processo de comunitarização de interesses económicos, ainda assim, exige um mínimo de cooperação entre os estados das Comunidades e, a partir dos anos 1970, desenvolve-se à margem dos tratados (a um nível informal) a Cooperação Política Europeia (CPE) – cooperação intergovernamental.

2. Um Acto Único e uma União Europeia com 3 pilares?

O Acto Único Europeu, 1986, é o primeiro passo na formalização desta ‘dualidade de sistemas e métodos’ uma vez que: o mesmo acto jurídico internacional codifica as disposições relativas à CPE (método intergovernamental) e revê os 3 Tratados Constitutivos (Tratados de Roma, CEE e Euratom, e Tratado de Paris, CECA –as três comunidades europeias, nas quais se aplica o dito método comunitário).

Em 1992, o Tratado de Maastricht, Tratado de União Europeia, dá um impulso ao carácter político da integração europeia e assume como objectivos a livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capital. Maastricht cria a cidadania europeia e o objectivo da união monetária (o futuro euro).

O Tratado de Maastricht institucionaliza os chamados três pilares: 1º pilar: assuntos relacionados com a agricultura, ambiente, saúde, educação, energia, investigação e desenvolvimento, Euratom, CECA e CEE ( com o Tratado de Nice 2001/03, a CECA é integrada na CEE); 2ºpilar: Política Externa e de Segurança Comum; 3ºpilar: Justiça e Assuntos Internos (a partir do Tratado de Amesterdão 1997/98 passou a chamar-se Cooperação Policial e Judiciária em Matéria Penal).

3. Como é que é isso dos dois métodos?

O método comunitário aplica-se ao 1º pilar, ao pilar das comunidades, e está relacionado com o conceito de integração. O método comunitário caracteriza-se pelo: monopólio do direito de iniciativa da Comissão; recurso geral à votação por maioria qualificada no Conselho; o Parlamento Europeu, sempre sob iniciativa da Comissão, co-legisla com o Conselho (e faz pareceres, propostas de alterações, etc.); uniformidade de interpretação do direito comunitário assegurada pelo Tribunal de Justiça.

O método intergovernamental, relacionado com o conceito de cooperação, caracterizada-se pelos seguintes elementos principais: direito de iniciativa da Comissão partilhado com os Estados-Membros ou limitado a determinados domínios específicos; recurso geral à unanimidade no Conselho; papel consultivo do Parlamento Europeu; papel limitado do Tribunal de Justiça. No 2º e 3º pilares usa-se o método intergovernamental, embora em assuntos de menor relevância seja admitida a maioria qualificada do Conselho.

4. Deve ser difícil isso das unanimidades e maiorias, não?

Com este alargamento de 1986, entram Portugal e Espanha e as Comunidades Europeias passam a contar com 12 estados: para além dos seis iniciais tinham já aderido a Dinamarca, o Reino Unido e a República da Irlanda, em 1973, e a Grécia, em 1981. A Áustria, a Finlândia e a Suécia só irão entrar em 1995. E, em 2004, esta Europa dos 15 vai ser alargada a mais 10, o maior alargamento da integração europeia, com a entrada de: Malta, Chipre, Eslovénia, Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, República Checa, Eslováquia e Hungria. Com este alargamento, a UE passou de 381 milhões para 456 milhões de habitantes e o seu território de 3.367 para 4.104 milhares de km². Em 2007, entraram Roménia e Bulgária.

De facto, a 27 estados aumentam as probabilidades matemáticas de não reunir consensos e de mesmo as maiorias qualificadas serem mais difíceis. Aliás, esse era um dos principais argumentos que os partidos do centrão europeu (PS's, liberais e democratas-cristãos) erguiam em defesa do Tratado Constitucional. Mas o problema da Europa não é esse.

5. Qual constituição? A UE não gosta da Democracia?

Quando eram apenas seis estados, bastou um Estado (no caso, a França) para chumbar a Comunidade Europeia de Defesa. Mas agora os 27 estados e os 27 governos estavam de acordo, eram unânimes. O problema não era serem 27, o problema era a Democracia. Chamados a pronunciar-se em referendo sobre a Constituição que os governos queriam para a Europa, os franceses e os holandeses disseram 'Não'.

A resposta dos poderosos da Europa foi simples, mas estranha: abriu-se um 'período de reflexão'. E tanto reflectiram que chegaram à conclusão de que deviam escrever o mesmo que no projecto do 'Tratado que institu[ía] uma constituição para a Europa', mas disfarçado sobre um novo nome. Assim nasceu o Tratado de Lisboa, que revendo os tratados anteriores (1), esconde alguma linguagem mais “federal”, “esquece” a bandeira e o hino, mas constitucionaliza na prática a política liberal: política da governamentalização anti-democrática, política das guerras coloniais e submissão à NATO, política do monetarismo do Banco Central Europeu (BCE), do ataque predador aos serviços públicos e aos direitos sociais e laborais.

A grande diferença era esta: desta vez não se referenda porque 'da outra vez correu mal'. Isso mesmo, para os governos e para a burocracia europeia: as cidadãs e os cidadãos só poderiam pronunciar-se sobre os aspectos 'constitucionais' da União Europeia se fosse garantido que diriam 'Sim' ao projecto de poder da burguesia europeia. Sim, isso mesmo, trata-se do projecto de poder da burguesia europeia.

Esbarraram com a Constituição irlandesa, que obrigava a referendo, e ouviram o indesejado 'Não'. Mas logo os governos, os burocratas e os demais poderosos com chantagens, subornos e campanhas mediáticas: conseguiram arrancar um 'Sim' num novo referendo na Irlanda. E as cidadãs e os cidadãos europeus dos outros 26 países não puderam dizer nada, pois ninguém lhes perguntou nada. É que isto de obrigar um “não” a passar a “sim”, em poucos meses, é coisa que dá muito trabalho.

Como disse o prémio Jacques Delors 2003, António Figueira: esta '“Europa dos Cidadãos” não gosta dos cidadãos da Europa' (2).

6. Mas quem foram e quem são os promotores desta integração europeia?

A geração de uma burguesia transnacional europeia, e até transatlântica (3), foi causa e consequência deste processo de integração europeia. Quanto mais os interesses do grande capital industrial e financeiro assumiam a escala europeia, mais pressão colocava sobre o processo de integração, e quanto maior a integração mais estes interesses se transnacionalizavam.

O arquitecto do mercado único Jacques Delors e então presidente da Comissão Europeia afirmava em 1993 : 'os dirigentes da ERT estiveram na vanguarda da minha ideia' (4). A ERT (European Round Table of industrialists) começou com numa reunião promovida pelo director executivo da Volvo Pehr G. Gyllenhammar, em Paris, em Abril de 1983, a qual reuniu 17 grandes empresários. Para além da Volvo, estavam representadas as seguintes empresas: Nestlé, Thyssen, Olivetti, ASEA, Philips,United Technologies, ICI, Fiat, Shell, Lafarge Coppée, Renault, Cie de St Gobain, BSN, Ciba-Geigy e Siemens. Actualmente continua a ser um poderoso grupo de pressão, sendo constituído actualmente por presidentes e directores executivos de 45 grandes empresas, entre outros: Paulo Azevedo (SONAE), Carl-Henric Svanberg (BP), César Alierta Izuel (Telefónica), Norbert Reithofer (BMW Group), Antonio Brufau (Repsol YPF) (5). Vale a pena chamar a atenção para que uma boa parte dos membros da ERT fazem também parte do Clube de Bilderberg (6).

Note-se que no mesmo mês, Janeiro de 1985, em que Weisse Dekker (presidente da ERT e da Phillips) apresentou o relatório 'Europa 1990: uma agenda para a acção', documento que propõe o fim das barreiras comerciais e as fronteiras fiscais, Jacques Delors toma posse e assume o mesmíssimo projecto para a Europa.

7. Então e a Europa social?

A Europa social, chamemos-lhe modelo social europeu ou herança social europeia (7), tal como o processo de integração europeia, nasceu no pós-guerra. O forte movimento operário e a necessidade de garantir a lealdade deste movimento no contexto da guerra fria, a necessidade de mão de obra qualificada e diferenciada a nível técnico e superior, a reconstrução europeia e a necessidade de relançamento económico pelo desenvolvimento da produção e do consumo interno: foram factores geradores da herança social europeia.

Com a trégua do Estado-providência, o capital consentiu em ser tributado como nunca antes, as disparidades entre os vencimentos de topo e os vencimentos médios das empresas foram reduzidas, os direitos laborais foram estendidos, foram criados serviços públicos, nomeadamente de saúde e de educação, e os movimentos dos trabalhadores renderam-se à expectativa da progressão indefinida dos direitos sociais.

Na sequência da primeira crise de acumulação do modo produção fordista, em que se alicerçava este modelo social, iniciou-se a ofensiva, primeiro intelectual e depois institucional, por parte dos detentores do capital. Em inícios dos anos 80, começa a ofensiva pela 'desfiscalização' do capital (8), contra os direitos laborais em nome do combate ao desemprego, contra a gestão pública dos sectores da saúde, educação, transportes, etc.

7.1. E como se processa desintegração da Europa social?

A Europa social, além daquela realidade da herança social do pós-guerra, era uma promessa de futuro. No processo de integração europeia, supostamente, a Europa social ia ser defendida e até renovada para fazer face aos novos desafios. Esse argumento serviu de propaganda a esta integração europeia, quando a agenda escondida era fazer recuar as conquistas sociais europeias.

Esta integração, a vários níveis e várias velocidades, alterou profundamente a base sob a qual nasceu o Estado-providência do pós-guerra. E os seus métodos são estes: a integração positiva (exemplo: permissão da livre circulação de pessoas, bens, mercadorias e capitais), a integração negativa (exemplo: restrições ao controlo público de sectores da economia) e a integração por pressão do mercado.

Ao nível da integração positiva e negativa é necessária a legislação por parte das instituições europeias e a sua aplicação por parte das instituições nacionais. Quando essas medidas são impopulares, os governos dos estados-membros 'desculpam-se' perante os seus povos, argumentando tratarem-se de 'imposições de Bruxelas'. Deturpam porém a realidade do papel dos governos na UE (e nas anteriores comunidades) e a realidade de serem os partidos do centrão europeu os mesmos que propõem e aplicam aquelas directivas, tanto em Bruxelas como nos Estados-membros.

Quanto ao método de integração por pressão do mercado, a integração resulta das contradições planeadas entre um mercado comum europeu e sistemas sociais e fiscais nacionais. A pressão da fuga de capitais e das deslocalizações é maior num mercado comum. Disto resulta que a redução dos direitos laborais e o abaixamento dos impostos sobre o capital são sempre feitos sob o argumento de concorrência com os outros estados-membros.

8. Que papel jogam a crise mundial, a crise do euro e os PECs?

A crise mundial, dita 'queda do Muro de Berlim do neoliberalismo', que rebentou em Setembro de 2008, pôs em causa o dogma da auto-regulação do mercado e o suposto 'dado objectivo' de que não havia dinheiro para sustentar o Estado-providência. De repente, nos EUA e na Europa foram mobilizados fundos astronómicos para salvar o sector financeiro, nacionalizando os prejuízos dos bancos. O neoliberalismo e o seu sucedâneo social-liberalismo sofreram um profundo abalo ideológico e logo surgiram os discursos da necessidade de regulação, das falhas não do sistema mas dos indivíduos: uns que se endividavam de mais, outros que eram capitalistas gulosos, desejando um lucro além da conta. Seria portanto necessário um suposto 'capitalismo ético' (9).

Numa prova de exímia capacidade de prática dialéctica, o sector financeiro transformou a fraqueza em força e relançou-se, na Europa, com um ataque especulativo ao euro. O ataque especulativo ao euro apontou as suas armas primeiramente à Grécia. A dívida pública grega, escondida com auxílio dos serviços da Goldmann and Sachs, é descoberta. O governo de Papandreou anuncia que possívelmente não terá possibilidade de fazer face aos juros dessa dívida, os quais são multiplicados pela imposição europeia de uma austeridade violenta e insustentável como contrapartida de um empréstimo. Seguidamente, Portugal e Espanha são atacados com a baixa de notação pelas agências de rating.

Os ataques à periferia do euro, Grécia, Portugal e Espanha, só mereceram uma resposta da UE, com a criação de um fundo europeu de 750 milhões de euros e a permissão ao BCE de comprar dívida pública, quando o risco de incumprimento grego se tornou uma inegável realidade: é que são os bancos europeus os maiores detentores da dívida pública.

O fundo europeu é qualquer coisa entre uma ilusão e um ataque aos Estados membros que dele necessitem, e responde igualmente com mais especulação (10): contrariamente ao permitido pelos estatutos do BCE, este foi autorizado a comprar dívida pública, mas não pode comprar dívida pública directamente aos estados, tem de comprar aos bancos; ou seja, no meio do processo, os bancos têm de ganhar mais qualquer coisa.

A integração económica, apesar dos fundos de coesão económica, social e territorial, favoreceu também a divergência das economias nacionais. A coexistência de uma economia exportadora como a alemã e de economias com défice na balança comercial numa mesma União Económica e Monetária gerida em piloto-automático monetarista: é geradora de novas contradições que degradam as economias mais fracas. O BCE foi criado sem conceito de desenvolvimento, à sombra de um desrespeitável Pacto de Estabilidade e Crescimento, e foi criado para favorecer o crescimento e fortalecimento do euro a todo o custo – o monetarismo minou a moeda na sua própria base. Os Estados e as demais instituições políticas europeias não podiam intervir na política rigorosa das regras pétreas do BCE, mas bastou a pressão de alguns bancos privados e afinal 'o mundo mudou'.

A obsessão do corte no défice chega ao ponto de haver vozes a clamar pela introdução do vírus monetarista nas constituições dos estados-membros. Limita-se o défice cegamente, depois as contas são simples e a receita é esta, embora seja apresentada de outra maneira: a política liberal continua o processo de redução de impostos sobre o capital, reduz-se a receita fiscal e os políticos liberais 'resolvem o problema', por um lado, com receitas extraordinárias resultantes das privatizações de empresas lucrativas e de património imobiliário do Estado, por outro, recorrendo ao corte no que for restando dos serviços públicos e da protecção social. No ano seguinte, o défice persiste pois o desmantelamento do Estado social ocorre a um ritmo menos acelerado que a desfiscalização e as empresas privatizadas já não dão o seu lucro ao Estado (e este ficou com os encargos dos sectores não lucrativos e/ou com a prestação de compensações aos privados nesses sectores).

No contexto do ataque especulativo ao euro através das periferias, a situação agravou-se e as medidas 'anti-crise' e os seus ditos planos de estabilidade e crescimento (PECs) impostos aos estados não passam de 'pacotes de crise': os estados 'compram' mais crise para que os bancos não ressaquem com as doses actuais de crise. Como suposto caminho para redução do desemprego, gerado nesta destruição da economia real a favor do sector financeiro, surgem as receitas do costume: a desregulação das relações laborais e consequente aumento da precariedade. O desmantelamento do que resta do Estado social e do seu património é acelerado e o rítmo de destruição atrás descrito é avassalador.

9. Até onde vai a ofensiva liberal e da direita populista?

Conduzidos pelo vanguardismo do sector financeiro, todos os sectores da burguesia aproveitam esta boleia no combate às conquistas civilizacionais do pós-guerra. Quem mais ganha com estas políticas recessivas é o sector financeiro, mas o grande patronato também ganha com a precarização das relações laborais e com a falência e consequente proletarização dos pequenos empresários. Para distrair, atribuir as culpas às vítimas e lançar exploradas e oprimidos uns contra os outros: contamos sempre com os populistas de direita.

O populismo de direita elege como bodes expiatórios da crise os suspeitos do costume: imigrantes, minorias étnicas e, numa ampla aliança que vai da direita ao dito centro-esquerda de que foi exemplo o pacto Sócrates-Passos Coelho, os beneficiários de prestações sociais (ditos 'subsídiodependentes') e os trabalhadores com alguma segurança no trabalho são acusados de privilegiados e até de preguiçosos. Tentam provocar-se choques étnicos, religiosos e até de gerações (entre a geração que 'ainda' tem contrato de trabalho e a juventude precária).

Na ofensiva etno-religiosa chegam mesmo a escrever-se fábulas excitando fobias de uma invasão da Europa pelo Islão, numa literatura em torno da ideia de uma distopia chamada Eurábia.

Também para nos distrair dos problemas reais e estruturais da economia, já vão sendo culpabilizados os sistemas mais 'brandos' perante a criminalidade e sendo defendida a ideia de um endurecimento dos regimes.

No caso português, a proposta de Passos Coelho de reforço dos poderes presidenciais, que acompanha aliás a agenda anti-Estado social (11), pretende dar as culpas ao poder do parlamento. Esta proposta entra no mesmo rol das propostas de círculos uninominais e/ou de redução do número de deputados: propostas que apenas visam reduzir a proporcionalidade, reduzir o controlo parlamentar, e conseguir maiorias absolutas ainda mais artificiais que as actuais.

A governamentalização da política europeia já foi conseguida pela transferência de poderes das democracias parlamentares nacionais (o caso da esmagadora maioria dos estados-membros) para uma esfera europeia com elevado défice democrático, onde não há um real poder do único órgão eleito democraticamente: o Parlamento europeu. Ainda assim, a classe dominante quer mais governamentalização e menos democracia parlamentar.

10. Que fazer perante a crise europeia?

A resposta é: Começar de Novo. No 'Começar de Novo' pode ler-se: 'a Europa em que Portugal tem interesse e vantagem em participar é a que sabe projectar o melhor da sua História no futuro. É uma Europa capaz de valorizar todas as identidades, das nacionais às de classe, das migrantes ao multiculturalismo, e fazê-las convergir na defesa das suas conquistas civilizacionais e no combate à barbárie que a globalização espalha pelo planeta' (12).

A Europa precisa de começar de novo. Não precisamos de 'constituições europeias' de marca liberal -conservadora outorgadas pelos poderosos da Europa. Precisamos de uma refundação democrática e social feita pelas cidadãs e pelos cidadãos da Europa. É esta a proposta do europeísmo de esquerda: a luta pela Democracia Europeia.

Bruno Góis